Tocou pra mim a parte do pescoço.
Do frango. Odeio pescoço-de-frango. Não tenho paciência, muito menos, controle
emocional para sugar a coluna de uma ave, vértebra por vértebra, arrancando
fiapos de carne das gretas, dobras e reentrâncias. Somos anatomicamente
incompatíveis. Eu e o pescoço-de-frango. “Encontraram mais uma cabeça humana
jogada na sarjeta.” A TV estava sintonizada num desses noticiários
sensacionalistas. Incomodado, sugeri ao gerente que desligasse o aparelho ou
sintonizasse noutro canal com assuntos mais aprazíveis, quiçá, música, pois,
música acalma os sentidos. Decapitações na hora do almoço eram um assunto
indigesto para mim.
Demonstrando um bocado de empáfia,
ele comentou que eu era o primeiro sujeito a reclamar do fato e, pra falar a
verdade, os clientes até que gostavam de almoçar assistindo ao Chumbo nas
Costas, um programa apresentado por um sujeito grosseirão que era a cara do Bud
Spencer, só que nem um pouco engraçado. Apesar de ter a reivindicação sumariamente
negada, mesmo desconfiando da idoneidade daquela cozinha regional, continuo a
frequentar o humilde estabelecimento que fica pertinho do meu trabalho. Nunca
mais me sentei em frente à TV. Apossei-me de uma mesa mais reservada, que fica escondida
no canto, atrás de uma pilastra, perto de uma samambaia-de-metro salpicada de
cocô-de-mosquito, longe das notícias escabrosas e do semblante de fascínio da
clientela assídua.
A mídia está nos matando. Quando
não mata, aleija, ensandece. Não será por acaso que os índices de depressão e
outras doenças mentais nunca estiveram tão elevados. A comunicação globalizada,
veloz, instantânea, massificadora, ao mesmo que liberta, escraviza. Pior que
isso, fornece terreno fértil para que uma matilha de frenéticos patetas faça
uso dos mais variados recursos para propalar asneiras, incitar o ódio, destilar
preconceito e catalisar a ignorância em níveis nunca antes vistos.
Recentemente, descobri que Deus é o
Google. O diabo também. Ali encontro respostas instantâneas para qualquer tipo
de dilema, desde o combate doméstico aos cupins até a construção de uma
espaçonave pelo sistema faça-você-mesmo. Utilizo as redes sociais mais do que
gostaria. É uma espécie de mau hábito, como cheirar o dedo. Provavelmente, eu
já esteja viciado em alta conectividade. O governo anunciou que o eletrochoque
voltará à baila para acalmar o ímpeto dos tresloucados que lhe fazem oposição
política. Pode ser, então, que eu me acerte com disparos de megawatts sobre a
cachola.
A rede virtual é empolgante,
misteriosa, muitas vezes, ilusória, supérflua e fonte de informações enganosas.
Deus mente para nós? Nos últimos dias, ando particularmente indignado com a enxurrada
de publicações que caçoam, ridicularizam, depreciam o ator Fábio Assunção, um sujeito
boa-pinta que, dizem, é um ator talentoso, o qual só conheço por fotografia, já
que desgosto das novelas na mesma proporção que desgosto de pescoço-de-frango.
Revolta-me, sobretudo, o fato dele parecer impotente diante de tamanha
exposição. Sua aparente apatia leva-me a cogitar que esteja, de fato, bastante adoentado.
Podem notar, tem sempre um cretino
com um celular na mão, ávido por filmar e propagar as mazelas humanas. Muitos
deles se vangloriam por gravar famigerados “furos de reportagem”. Furada mesmo
anda a barca da civilidade, que não para de vazar água pela proa. Não à toa,
jamais estivemos tão próximos de afundar em desgraça moral como na atualidade.
Temos a história, o conhecimento e o avanço tecnológico do nosso lado. Temos quase
tudo para sermos seres humanos melhores, porém, continuamos viciados em
sordidez. A peste da comunicação ágil, globalizada, e do mau gosto desenfreado
expõe a miséria humana em todas as suas nuanças. Movidos por curiosidade
mórbida coletiva, os mais inusitados atos de crueldade viralizam na rede. Tudo
adquire relevância, vira notícia, indo parar direto na tela da TV ou no
smartphone. Não vejo nenhuma esperteza nisso. Brigas de trânsito. Torturas
policiais. Mulheres mortas pelos companheiros. Decapitações via satélite. Estupros
coletivos. Linchamentos. Cenas de pedofilia.
Será que já endurecemos o
suficiente para perder de vez a ternura? Não posso aceitar que tal revolução
silenciosa devaste o meu peito. Já dizia a canção: “O meu coração não é de
pedra; o meu coração é igual ao seu”. É por essas e outras que eu insisto:
Deixem o Fábio Assunção em paz, seus cretinos!
Tripudiar o ator Fábio Assunção revela o que há de pior em nós: a crueldade publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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