Em
53 anos, o meu abdome nunca esteve tão definido. Para a minha total
contrariedade, decidiu-se pela robustez. É como se eu tivesse engolido uma bola
de basquete, se é que me entendem. Aqui na região onde eu moro, diz-se que estrupícios
assim possuem “barriguinha de lobó”. Lembram-se da jiboia que engoliu o
elefante em “O Pequeno Príncipe”, de Saint-Exupéry? É mais ou menos assim: um
chapéu que caminha sobre duas pernas. Eis a minha risível silhueta.
Já faz tempo que odeio
espelhos. Também não gosto de frequentar academias, sejam elas de ginástica, de
polícia ou de letras. Afetam-me sobremaneira os cheiros de éter, de pólvora e
de colônia, não necessariamente nesta ordem. E a ojeriza só cresce com a idade.
Puxar ferros vestido com uma camiseta regata, postado de frente um espelho, nessa
altura da vida, desafia os meus pecados capitais. Desprovido da devida vaidade,
exercito-me numa academia de musculação por ordem e chantagem médicas. “Sem
dor, sem ganho”, ele diz, chupando um dropes hipercalórico, como se já não
fosse o bastante eu padecer das esferas mentais. Duvido que ele, meu
cardiologista balofo, suporte realizar agachamentos sustentando 50 quilos nas
costas. Ainda se fosse uma bela mocinha, dava-se um jeito; eu virava titã e não
envergava nem que ela tagarelasse nua de tamancos sobre os meus ombros.
Para mim, a pior parte da malhação é a língua. Tem sempre um enxerido que se aproxima e puxa um assunto, geralmente, um tema intolerável demais quando se está bufando, prestes a romper as veias do pescoço e a parir os testículos de tanto fazer força num estúpido exercício de repetições dentro de um aparelho ferruginoso. Não seria de todo ruim se eu me cortasse nele e morresse de tétano. De desencanto, já padeci faz tempo. “Você viu só o que disse o filho do presidente?”. Eu digo que não, que não vi, nem ouvi, o que disse o dito-cujo. Sinto uma raiva primitiva quando sou inconvenientemente forçado a dialogar sob um estado letárgico de asfixia. Tem gente que não se toca. Eu devia botá-los pra correr ou simular um colapso ao som do Calypso que ribomba infernalmente no ambiente. Assim, quem sabe, colocava um ponto final no assunto.
“Virou defunto. Fulano-de-tal
morreu enquanto fazia um supino”, alguém conta, com a empolgação de quem falta
um pino e comemora um gol. Eu sempre quis entrar com bola-e-tudo na zaga-bem-postada
daquela balzaquiana com collant-de-oncinha. Sinto uma saudade miserável dos
meus 17. Naquela idade, tinha uma enorme vitalidade para cometer erros, meter
os pés pelas mãos e fazer sexo em pé sem chorar de câimbras. Há um excesso de
perfume gardênia empestando o ar. Passa uma mulher extravagante com tetas
escandalosas prestes a explodir. Todo sacrifício em nome de Alá. Eu sofro de chistes
agnósticos. Focados em impressionar a beldade, quase todos os homens presentes
no local apressam-se em aumentar um pico na já extravagante carga de halteres. Quisera
estar em Alter do Chão. Se tivesse escolha, eu queria mesmo era ser uma árvore.
Ouvi isso da boca de ninguém menos do que o cantor Djavan.
Fico pensando qual a
chance de ouvir “Riders on the storm” naquele antro fitness. Um sujeito
impávido, de sobrancelhas feitas, sábio como um armário, faz bicotinha e se fotografa
usando o próprio smartphone. Uma dona que parece recatada e do lar presencia a
cena bisonha, suspira fundo e comenta ai-que-bom-seria-se-eu-fosse-solteira,
sem depreender que, da fruta que ela gosta, o rapaz come até o caroço.
Não gosto desse troço. De
frequentar academias. Nem atléticas. Nem policiais. Nem literárias. Minha cabeça
anda cansada como um velho pangaré. Queria tanto um bife a cavalo com três canecos
de chope. Sou 70% água e 30% descrença. Por onde passo a fazer o meu circuito,
molho os assentos com um suor cínico. Uma mocinha que tem idade para ser minha
filha ou minha amante faz a assepsia do aparelho com solução de álcool 70.
Sinto-me sujo como um poema do Bukowski.
Já se passaram 20 minutos
e me considero desacorçoado o suficiente para dar o fora e escrever uma crônica
pedante. Pergunto ao instrutor sarado que veste uma camiseta de Mojo Filter fazendo
arminhas com os dedos indicadores onde consigo tomar um cafezinho naquela joça,
mas, ele diz que café é frescura e que ele só toma anabolizantes. Já chega de
tanto exercício físico. Tiro de campo o meu corpinho de poeta tísico. Nada mal
para quem deseja ser uma árvore. Com a vantagem adicional de que árvores não
conversam com pessoas, por mais que alguns insistam.
O abdome está definido, mas, a cabeça está cheia de dúvidas publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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