Tive um canário quando era criança. A avezinha cabia
na palma da minha mão. Alegre, distinto e bonito, o pássaro amarelo cantava o
tempo todo. Seu canto pacífico era deliciosamente agradável: parecia uma composição
poética e ritmada. A gaiola ficava pendurada na varanda de casa, e o vento que
passava levava a melodia para quem estivesse por perto.
Certo dia, fui até a gaiola e chamei pelo
passarinho; mas ele não apareceu, como sempre fazia. Tomada por um
estranhamento, subi na cadeira para procurá-lo: o canário estava deitado,
quieto, imóvel. Chamei pelo meu pai, que examinou o bichinho e, tristemente, me
informou que ele havia morrido. Dizem que o canário vive cerca de 10 anos, mas
aquele teve uma vida breve.
Já faz muito tempo que o canarinho se foi. Naquela
época, eu não sabia nada sobre aves; nem sobre tantas outras coisas, como o
amor. Não imaginava que seria impossível viver uma vida sem decepções ou
arrependimentos. Que pessoas me desapontariam. Que eu magoaria alguém. Que
sentiria remorso por ter sido egoísta, como quando prendi a avezinha que tanto
gostava. Que pela necessidade de ter alguém ou pelo medo de ficar só, tentaria
prender um companheiro ou um amigo.
Assim, houve um tempo em que resolvi andar sozinha. No
decorrer dos anos, entre uma e outra decepção amorosa, meu coração calejado se
fechou. Prendi a mim mesma, como no poema de Charles Bukowski: “há um pássaro
azul em meu peito que quer sair, mas sou duro demais com ele, eu digo, fique
aí, não deixarei que ninguém o veja”.
É que eu não queria mais sentir frio na barriga,
aperto no peito e dores de adeus. Parecia quase impossível encontrar alguém que
estivesse disposto ao amor e ao relacionamento — só mais tarde fui descobrir
que era eu quem não estava disposta a me entregar. O silêncio
após as partidas nunca deixou de tocar a minha alma, como a ausência do canto
do meu canarinho.
Até que um dia, num desses dias em que não se
espera da vida nada além do que ela já nos ofereceu, resolvi deixar de ser tão
dura comigo mesma. Não foi fácil, houve um longo processo de paciência e
autoconhecimento; mas houve, sobretudo, vontade de voar outra vez. O pássaro em
meu peito partiu sem rumo nem expectativas, ele só queria ser livre das minhas
dores e inseguranças.
Conheci meu namorado. Não foi amor à primeira vista,
como nos contos de fadas; mas foi paixão da vida real: “você se apaixona quando se desprende da
necessidade de ter alguém”. Quando você menos espera, as conversas ao telefone
se perdem nas horas, junto com a alegria que chega na proximidade do
reencontro; de repente, o tempo em que não houve afeto recíproco se preenche
com um sentimento bom. E ao perceber a felicidade explodir dentro do peito, percebe-se
que ela é verdadeira porque não tem obrigação.
O amor é um pássaro que não sobrevive em gaiolas.
Gaiolas podem ser o ciúme, a insegurança ou o próprio egoísmo.
Gaiolas podem ser o medo de amar outra vez; ou pode ser a incompreensão de que
amor e liberdade caminham juntos: amamos porque somos livres e temos liberdade
porque confiamos no amor.
Há pessoas que têm receio da palavra liberdade; alguns
até acreditam que ser livre é individualismo. Talvez, faltam-lhe a compreensão
da honestidade de Bukowski, aquela que “não me deixa fingir que sou uma coisa
que não sou”. Talvez, faltam-lhes saber que a vida é efêmera, como o canto que
inicia e termina antes de que gostaríamos. Mas, com a janela do
coração aberta, os pássaros voam; e a pessoa permanece no relacionamento não
por estar presa a ele, mas porque é genuíno o seu desejo de ficar.
O amor é um pássaro que não sobrevive em gaiolas publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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