Nesse clima de Peste Negra que toma conta do mundo, a dica é lavar as mãos e fugir das pessoas, o que é sempre um bom conselho. Pessoas não valem nada e muitas delas transportam vírus. É pra todo mundo ficar em casa maratonando séries e jogando videogames. No entanto, quem gosta de literatura, também precisa se divertir. Por isso, fiz uma lista de livros cuja ação se passa apenas em ambientes fechados ou isolados.
Coronavírus taí, coronavírus chegou pra pegar a senhora e também o senhor. Nesse clima de Peste Negra que toma conta do mundo, a dica é lavar as mãos e fugir das pessoas, o que é sempre um bom conselho. Pessoas não valem nada e muitas delas transportam vírus. Eventos esportivos, estreias cinematográficas, peças teatrais, tudo está sendo adiado até que a epidemia passe. É pra todo mundo ficar em casa maratonando séries e jogando videogames. No entanto, quem gosta de literatura, também precisa se divertir. Por isso, fiz uma lista de livros cuja ação se passa apenas em ambientes fechados ou isolados. Desta forma, a chance de encontrar um personagem contaminado diminui drasticamente.
Machado de Assis era fã do cara, um escritor francês (1765-1852) de poucas obras, mas extremamente influente. “Memórias Póstumas de Brás Cubas” é inspirado por esta divertida paródia do relato de viagem. Divagações e descrições minuciosas de mobiliário compõem o relato de um jovem oficial preso ao seu quarto durante seis semanas. Lembra “A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy”, de Laurence Sterne (1713-1768), que era o ídolo de Maistre e Machado. O melhor de tudo é que neste livro você não encontrará absolutamente nenhum outro personagem além do narrador, logo, as chances de pegar um vírus ficcional é praticamente zero.
É um mundo fantástico povoado por gênios, tapetes mágicos, cavernas secretas e marinheiros que enfrentam pássaros gigantes. Mas todas essas histórias são contadas por Sherazade, concubina do rei da Pérsia, Xariar, que tem o feio hábito de matar suas mulheres depois da noite de núpcias. No entanto, interessado no desenrolar das histórias de Sherazade, ele a poupa e o casal vive numa boa para todo o sempre. A história se passa no harém do rei, mas não tem muita gente no lugar devido à fúria feminicida do soberano. Só tem ele, Sherazade e a irmã dela, Duniazade. Se nenhum dos três começar a espirrar de repente, “As Mil e Uma Noites” é um ótimo refúgio nesses tempos de peste.
São apenas três personagens: o narrador sem nome, Roderick Usher, um pintor atormentado, e sua irmã, Madeline. Os três estão isolados numa sombria mansão decadente e cheia de rachaduras nas paredes. O clima é sufocante, às vezes, aterrorizante, e ninguém sabe exatamente se é a família ou a casa que está amaldiçoada. No entanto, as chances de contrair alguma doença viral é mínima. Os personagens são um pouco psicóticos, é verdade, mas isso não pega por contato. Lembre-se de entrar na obra com o cuidado que os escritores góticos do século 19 merecem: qualquer vacilo, a casa cai.
Don DeLillo é um dos meus escritores favoritos e embora “Cosmópolis” não seja tão bom quanto seus melhores trabalhos (“Submundo”, “Libra” e “Os Nomes”), o livro é um refúgio seguro em tempos de coronavírus: a trama se passa dentro de uma limusine. Eric Packer, um multimilionário de 28 anos, atravessa Manhattan para cortar cabelo na barbearia que frequentava quando criança. Enquanto isso, as bolsas de valores despencam e manifestações anticapitalistas invadem a cidade. Algumas personagens entram e saem do carro, incluindo a ex-mulher de Packer, mas basta você deixar o álcool gel ao lado do livro que não tem problema.
O francês Perec é um dos melhores escritores que li na vida e apenas lamento tê-lo conhecido tão tardiamente. Não existe livro velho, eu sei. Existe apenas o livro que você leu e o livro que você não leu. Mas é possível que eu fosse um escritor completamente diferente se tivesse encontrado Georges Perec mais cedo. Este romance de múltiplas histórias que se cruzam, como uma espécie “As mil e uma Noites” contemporâneo, se passa inteiro dentro de um prédio em Paris. Cada apartamento, cada escada, cada área do edifício revela personagens inusitados e narrativas complexas nos mais diversos gêneros, da aventura ligeira ao drama existencialista. Como a trama transcorre inteira num prédio, o livro é razoavelmente seguro.
É um clássico da literatura e por isso acho que ninguém vai ligar para o spoiler: a ação se passa num hospício e o narrador é um louco. O humor absurdo é meu tipo favorito de humor e Campos de Carvalho é um mestre no gênero. Hospícios são lugares isolados e, com o controle adequado para personagens visitantes, a leitura é perfeitamente segura. Você também pode arriscar com “O Púcaro Búlgaro”, do mesmo autor, que transcorre praticamente dentro de um apartamento, mas a trama começa em Washington e aí, já viu, todo cuidado é pouco.
Nelson Moraes é meu amigo e a inclusão do livro dele na lista pode parecer coisa de compadres. É mesmo e eu não estou nem aí. O Brasil é o país das turmas e dos feudos, então a gente também está tentando montar o nosso. Mas nem a amizade e nem a inveja literária me impedem de dizer que esse é um dos melhores romances brasileiros contemporâneos. Sócrates e o dramaturgo Aristófanes investigam um serial killer que está matando todos os filósofos de Atenas. A maior parte da ação se passa na cela de Sócrates, onde o sábio confinado aguarda que o veneno encomendado pelas autoridades chegue de navio para que ele possa bebê-lo. Chances mínimas de contaminação por coronavírus, portanto. Só não pode molhar o dedo na língua e passar as páginas. Vai que você encosta na cicuta por descuido…
Como a literatura pode salvá-lo do coronavírus publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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