Faz tempo que as grades das programações televisivas
adotaram quase como uma obrigação os chamados “reality shows”. Indo de competições
culinárias entre leigos até pessoas peladas jogadas em uma floresta, nota-se
que a variedade explica o fenômeno da consolidação desse formato ao redor do
mundo. Dentre eles, o “Big Brother”, apesar do desgaste temporal, segue firme
como pioneira e principal série do segmento. Isso se deve à relação estabelecida
com o público, trabalhada minuciosamente nos sentimentos mais extremos e oferecendo
um enorme conteúdo de futilidades agradáveis.
Apesar de terem eclodido inúmeros outros programas que
falseiam a realidade em experiências sociais coordenadas, o “Big Brother” talvez
seja o mais popular do Brasil. Criado em 2002, com formado “enlatado” exportado
pela Endemol — uma produtora de televisão holandesa —, consiste no confinamento
de pessoas em uma casa luxuosa, em disparidade abissal com a realidade da
maioria dos que o assistem, em uma guerra de egos, amizades-relâmpago, intrigas
e outras subjetividades humanas. Os participantes usam todas as formas
possíveis de tentar seduzir o público para, em um curto lapso de tempo,
conquistar o milionário prêmio oferecido. Tudo isso com provas e brincadeiras gincanescas, que animam e emocionam o
telespectador.
Como o índice de audiência é o termômetro
indispensável para a permanência ou não de qualquer aventura televisiva, o “Big
Brother” não evita as polêmicas, por mais burlescas ou inventivas que sejam. A
recepção do grande público se dá pelas emoções sentidas ao longo do projeto, em
cenários que já envolveram, por exemplo, relações estranhas entre pessoas da
mesma família, profissionais de saúde sem apego por seres humanos e os
clássicos indivíduos esquentados, que não perdem a oportunidade de começar uma
gritaria. São esses acontecimentos — todos analisados previamente pelos
produtores, não se engane — que fazem o programa ser atraente ou “indispensável”
para os atentos espectadores.
O absurdo vende. Por mais escatológico ou fora de
sintonia com a ética que possa parecer, o limiar entre o aceitável e a polêmica
desnecessária fazem parte da substância do “reality”. A curiosidade de se
reunir desconhecidos em uma mansão foi esgotada logo nas primeiras temporadas.
O que passou a valer, a partir de então, foi o enredo com pessoas coitadas,
necessitadas, sofridas; neutras; explosivas, problemáticas, impacientes; enfim,
foram as histórias construídas e/ou inventadas por figuras caricatas no
decorrer do programa. Não há sequer um padrão de comportamento a ser seguido, já
que os vencedores das diferentes edições são díspares entre si.
O que convence o público a continuar assistindo, sem
dúvida, é o apego às futilidades e leviandades ali presentes. Obviamente, todos
que participam sabem que estão sendo filmados e constroem, em um ritmo próprio,
personagens agradáveis e estratégias pesadas de eliminação alheia. E também são
cientes disso todos os que assistem — ou, pelo menos, é o que se espera. Vence
quem consegue trabalhar a dicotomia a seu favor ou manter a coerência de seu
personagem idealizado até o final. Sempre existirão mocinhos e bandidos, heróis
e vilões, tão deslumbrantes quanto efêmeros, que logo cairão no esquecimento, engolidos
pelo retorno da normalidade. A oportunidade é breve, intensa e desafiadora.
Apesar disso, a experiência de apresentar pessoas em momentos
de tensão e de tramas maquiavélicas é um palco interessante para o estudo
psicológico de participantes e espectadores. Os primeiros, movidos por
interesses financeiros ou pretensões artísticas, testam seus limites físicos e
mentais em um empreendimento que pode até mesmo torná-los estigmatizados para o
resto da vida. Os segundos, fustigados pelo entretenimento de exposição da vida
alheia, contentam-se em discutir nos mais diversos locais sobre as repercussões
do que ocorre nos dias de confinamento, com preferidos e preteridos efusivamente
defendidos ou atacados. Como sempre, o brasileiro precisa de um herói para amar
e de um bandido para condenar à eternidade por alguns breves meses. Nada de
novo.
Dentre todas as fragilidades e virtudes do programa,
certo é que milhões de brasileiros ainda param seus afazeres cotidianos para
assistir ou debater as suas consequências. Em noites de paredão, reunidos como
em uma final de Copa do Mundo, seguem a sina de torcer para que saiam
vencedores os seus reflexos de virtudes, para deleite e a satisfação de seus
próprios egos. Os críticos continuam apontando um suposto incentivo deliberado
ao emburrecimento de quem assiste. Os fiéis telespectadores, por sua vez, seguem
apontando a chatice e o pensamento elitista dos críticos. Todos, no final das
contas, com sua parcela de razão.
O grande vencedor de tudo é o próprio “Big Brother”,
que segue movendo amores e aversões, mas sempre se mantendo em evidência. É a
vitória da futilidade útil.
O Brasil e o BBB: uma relação feita de amores, ódio e muita futilidade publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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