Senhor
da razão, o tempo desfaz e cria novas razões. É provável que Augusto de Campos,
daqui a alguns anos, se consagre, na cultura patropi, mais como tradutor e, em
seguida, crítico literário (de poesia). O poeta continuará sendo citado, e não
apenas nos rodapés, mas não como Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de
Melo Neto (ficará aquém inclusive do hermano Haroldo de Campos). No momento,
graças ao juveniilismo vigoroso dos epígonos do concretismo — propagandistas de
primeira linha —, ainda é uma presença forte, inclusive como poeta
reverberante.
Quanto
ao tradutor, devemos a Augusto de Campos algumas das melhores “transcriações”
feitas no país (mas deixa a impressão de que traduz com mais brilho quando
menos transcria). O poeta americano e. e. cummings (assim como nós, leitores)
deu sorte no Brasil, pois chegou às nossas mãos e olhos por intermédio do bardo
de 89 anos.
A
Editora Brasiliense lançou, em 1986, “40 Poem(a)s” (143 páginas), de e. e.
cummings, com tradução de Augusto de campos. Como sempre, no caso das versões
do concretista, a edição é muito bem anotada, com uma tradução excepcional. A
Editora Unicamp republicou “Poem(a)s” (248 páginas). A palavra portento é leve
para avaliar o belo trabalho. Só um poeta pode traduzir cummings com tanta
precisão? Não, claro. Mas as soluções encontradas por Augusto de Campos mostram
sua alta perícia na tradução de uma poesia nada convencional… Além de
inventiva, a poesia do americano é enviesada…
A editora Assírio & Alvim publicou, em 2003, “eu: seis inconferências” (182 páginas). São as conferências Charles Eliot Norton de e. e. cummings em Harvard. Foram proferidas entre 1952 e 1953. Misturam informações autobiográficas e poesia — uma idiossincrasia altamente interessável.
Cummings
em tradução de Augusto de Campos
piedade
desse monstro em ação, humanimaldade?
não.
O progresso é uma doença confortável:
tua vítima (morte e vida a salvo à pane)
brinca
com a grandeza de sua pequeneza
—
elétrons deificam uma gilete
em
macroescala; lentes estendem
nãodesejo
por ondeante ondequando
até
que ele retorne ao seu nãoeu.
Mundo
de haver
não
é mundo de ser — piedade desta pobre
carne
e árvores, pobres pedras e estrelas, mas nunca
desse
ótimo espécime de hipermágica
ultraonipotência.
Nós médicos sabemos
que
um caso é sem remédio quando — olhe: tem uma puta
de uma vida boa paca aí do lado: vamos lá
Cummings em tradução de Augusto de Campos publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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