domingo, 1 de março de 2020

Minha Luta, de Adolf Hitler — o livro mais odiado do mundo

Minha Luta, de Adolf Hitler — o livro mais odiado do mundo

Deparei
com o calhamaço de “Minha Luta” por mero acaso. Eu garimpava livros num sebo. Caiu-me
às mãos. Era proibido demais para ser verdade. Não resisti à tentação de abiscoitá-lo.
Nas minhas contas, ainda era um título maldito, de comercialização proibida em
todo território nacional, provavelmente, a obra literária mais odiada de todos
os tempos. A edição luxuosa, em capa dura, continha mais de 500 páginas de doutrinação
pré-nazista e foi, para mim, uma leitura das mais desafiadoras. No fundo, eu
tinha medo de me enfeitiçar, de enlouquecer ou de ficar malvado. Que nada. Continuo
o pacifista covarde de sempre. Saí da leitura mais livre do que quando entrei.

A
obra foi escrita por Adolf Hitler nos anos 1920, enquanto ele puxava meses de cadeia
por conta de uma tentativa de rebelião. No conteúdo da brochura constavam
registrados os fundamentos primordiais do que viria a ser o nazismo, sob a ótica
do seu mentor. Eu jamais poderia imaginar que Hitler escrevesse tão bem, do
ponto de vista técnico, obviamente. Como acontece com a maioria dos tiranos, era
um homem culto, carismático, metódico, determinado, um craque da oratória que
ganhava as plateias extrapolando em misancenes bizarros. O seu poder de convencimento
era surpreendente e as suas ideias grudavam feito chiclete nos ouvidos e nos corações
partidos do povo alemão, que vivia os graves perrengues do pós-guerra.

É
impressionante notar como as suas teorias prosperaram entre o povo alemão, avançando
rapidamente que nem fogo morro acima, que nem enxurrada morro abaixo, que nem tirano
quando quer dar um jeito de conquistar o mundo. Pode-se dizer que o líder alemão,
nascido na Áustria, tinha realizado um trabalho de formiguinha, iniciando por
difundir o projeto antissemita a partir da estaca zero, convencendo,
primeiramente, as pessoas mais próximas, do seu convívio diário, até atingir as
multidões, as turbas numerosas, empolgadas, ensandecidas, hipnotizadas, esperançosas,
que lotavam bares, praças e espaços públicos cada vez maiores. O cenário da época
constituía o ambiente ideal para a proliferação de projetos mirabolantes,
aparentemente altruístas para a nação, que tirariam o país da merda em que se
encontrava. Crescia um intrincado e bem arquitetado projeto de disseminação dos
ideais ultranacionalistas. O livro era uma espécie de manual pela causa. Elevava-se
a moral do povo sofrido, quebrado, por meio dos discursos de luta, das
promessas de vingança, de redenção moral e econômica de um país humilhado e arrasado
ao final da Primeira Guerra Mundial.

Confesso
que eu me senti apreensivo durante a leitura de “Minha Luta”. Sempre me fascinou
a figura escatológica, caricata e obtusa de Adolf Hitler. Os discursos
eloquentes proferidos para multidões de seguidores sedentos de justiça eram
medonhos. Juntava-se a fome com a vontade de comer. O momento histórico pelo
qual passava a Alemanha fazia com que o projeto de Hitler prosperasse. Como se
fora um coach a serviço do mal, ele vociferava com propriedade, convencia,
capturava almas para a grande revanche contra o resto do mundo.

No
início, quem pagou o pato pelo malfadado projeto nazista foram os judeus que
viviam na Alemanha, inúmeras vezes citados no livro como “A pior praga que já infectou
o planeta”. Nas contas de Hitler, eram também considerados inimigos do povo alemão
“puro-sangue”: os gays, os comunistas, os índios, os negros, as testemunhas de
Jeová, os mentecaptos e os portadores de necessidades especiais, por ele rotulados
como “seres aleijados, inválidos, improdutivos e sem futuro”. Não me recordo de
ter lido qualquer referência degradante em relação aos povos latino-americanos.
Contudo, parece líquido e certo suspeitar que o Brasil, mais cedo ou mais
tarde, por causa da preponderante miscigenação de “raças inferiores” — sob a
lente nazista — fatalmente entraria para a “lista negra” do abilolado líder
alemão, o qual cria piamente na superioridade inata dos arianos em relação aos demais
povos.

Concluo, por fim, que “Minha Luta” é mesmo dose para leão. Não ao ponto de concordar com a sua proibição, por quem quer que seja. Ao contrário, acredito que a leitura criteriosa do texto, atentando-se para contextualizar os ensinamentos ali defendidos com a época em que foram escritos, servirá como aprendizado, como um alerta para que nunca mais se repitam atrocidades como aquelas perpetradas pelo projeto nazista em prol de um mundo mais branco, mais alto, mais forte e de olhinhos azuis.

Imagem: United Artists / IMDb

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