sábado, 17 de agosto de 2019

Como assistir “Era uma Vez em… Hollywood”

Como assistir “Era uma Vez em… Hollywood”

Aviso: contém
spoiler. Primeiro veja o filme, depois leia o texto. Não tem jeito de falar do novo
Quentin Horários Era uma Vez em… Hollywood sem entregar o final, que justifica
a trama inteira.

No fundo, os
protagonistas Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e Cliff Booth (Brad Pitt) são
dois velhos cowboys em busca de redenção. O primeiro é um ator que já teve dias
melhores na carreira. O segundo é o melhor amigo dele e também seu dublê
exclusivo. O filme é um olhar nostálgico ao cinema e à TV dos anos 60, mas a
trama é movida pela reação dos dois personagens — já meio ultrapassados — a um
mundo em acelerada transformação.

Os dois me
lembraram muito os anti-heróis de “Meu Ódio Será Tua Herança (The Wild Bunch)”,
de Sam Peckinpah, que — olha só — foi lançado exatamente em 1969, ano em que se
passa o filme de Tarantino. Na produção de Peckinpah, o velho oeste agoniza e é
substituído por ferrovias e telégrafos. No filme de Tarantino, a velha
Hollywood dos seriados de western também agoniza, enquanto é invadida por
hippies e pela guerra do Vietnã.

1969 não foi um
ano qualquer. Os crimes do Zodíaco acontecem neste ano, assim como a conquista
da Lua e o massacre promovido pelo culto de Charles Manson. A década de 70 já
estava batendo à porta e, com ela, acabariam os filmes de Matt Helm e os
seriados inocentes e ingênuos. O cinema e a TV passariam os próximos anos
investindo em tramas engajadas e cheias de culpa, exorcizando Watergate e
Vietnã.   

O mundo de Dalton
e Booth está sob ameaça. Os hippies de Charles Manson são os novos peles-vermelhas
a sitiar uma América wasp suburbana que está com os dias contados.

É disso que o
filme trata: da inevitável invasão de bárbaros que vai arrasar a civilização de
Bonanza, Batman e Robin, Dean Martin e Rick Dalton. O assassinato da doce e
inocente Sharon Tate é o rito de passagem que marca o fim de uma era. 

E é por isso que
Quentin Tarantino filma Cliff Booth encarando a gangue de Manson no rancho como
se fosse um western. Porque “é” um western. A surra que o arrogante Bruce Lee
toma de Cliff em outro momento espelha o mesmo sentimento e antecipa o final:
estamos num universo paralelo. E nesta realidade alternativa, os velhos cowboys
sempre vencem.

O que Booth e
Dalton querem é conter as mudanças do mundo, estancar a roda do tempo, parar de
envelhecer, jamais sair de cena e manter tudo exatamente como sempre foi. Mas isso
é impossível. Em 1969, enquanto Peckinpah fazia seu “Wild Bunch”, Peter Fonda e
Dennis Hopper enchiam o rabo de dinheiro com “Sem Destino” (Easy Rider). O
mundo já era outro e Hollywood também.

Quando, no final,
os velhos cowboys Rick e Cliff levam a melhor contra os peles-vermelhas de
Charles Manson e salvam Sharon Tate, eles estão é preservando a civilização dos
bárbaros invasores, sejam hippies ou chineses.

Sim, o filme é
reacionário. Reacionário, porém charmoso e adorável. Adorável como uma tirinha
de Al Capp, o genial criador do Ferdinando, sacaneando os hippies. Charmoso
como Frank Sinatra inventando o Rat Pack para tirar sarro dos cabeludos de
Liverpool. Em “Meia-Noite em Paris”, Woody Allen recusa a nostalgia, que
percebe como fuga. Em “Era uma vez em Hollywood”, Tarantino casa com ela. Este é
o mais doce e o mais melancólico dos filmes do diretor.

Pois é, o cara
está envelhecendo. Ele não é mais o enfant terrible de Hollywood e isso deve
doer bastante. Tudo muda. Tudo é uma montanha russa. Tudo é “helter skelter”, como
acreditava Charles Manson. Mas enquanto existir cinema, sempre será possível salvar
a mocinha e inventar um final feliz. Tarantino, em outras palavras, é muito
romântico.

Como assistir “Era uma Vez em… Hollywood” publicado primeiro em https://www.revistabula.com



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