domingo, 4 de agosto de 2019

Ninguém te ama quando você está arruinado

Ninguém te ama quando você está arruinado

Encontrei
o Léo Rosca-de-Trança chorando calado. Fazia dó. Estava sentado sozinho numa das
mesas do seu estabelecimento comercial, o cigarro apagado entre os dedos, o
queixo escorada num dos punhos, como se a cabeça pesasse uma tonelada. Tratores
roncavam na rua. A padaria estava entregue às moscas. Não havia fregueses no
local, senão os mendigos de sempre aguardando sob a marquise as migalhas de
solidariedade da clientela endinheirada. Léo tinha entrado para o rol dos fodidos
e para as estatísticas oficiais: outro empresário quebrado.

O
prefeito tinha prometido que os transtornos passariam logo, em prol dos
benefícios. Não funcionou. Lá se vão seis meses de zorra e as obras para
instalação dos Busões-Articulados–Sobre-Trilhos continuam a infernizar o
coração da cidade, provocando insônia e desespero em dezenas de lojistas que
possuem estabelecimentos comerciais ao longo da crucial avenida que corta a
metrópole de norte a sul. Muita gente já perdeu o rumo. Não dá para dimensionar
como esses empresários resistem a tamanho impacto econômico. O acesso às lojas
é lento, nervoso, caótico. Faltam vagas de estacionamento e celeridade à
máquina pública para encerrar o quanto antes o quebra-quebra. Não queria estar
na pele desses caras.

O
prefeito e os seus compinchas andam vociferando por meio da imprensa amiga que
há milhões em financiamento provenientes de bancos estrangeiros — impagáveis
nesta encarnação — sendo despejados em audaciosos projetos de revitalização do
município, e que existe um prazo limite para a entrega das obras, antes que se
iniciem as campanhas eleitorais para o próximo pleito. Enquanto os buracos
criam vida e o poeirão impregna os pulmões dos contribuintes, moradores locais
vão pirando e se virando do jeito que conseguem, tentando fazer valer o direito
constitucional de ir-e-vir. Não está nada fácil sair ou chegar em casa.
Impactados pela queda escandalosa do faturamento, os empresários pelejam para
se manter vivos no mercado, às custas, principalmente, do marketing de
guerrilha, do calote a fornecedores e da demissão massiva de funcionários. Não
tem folha de pagamento que resista a tanto progresso, ainda mais, com a
lentidão e a ineficácia tão peculiares à gestão pública.

Fico
me perguntando o que a sociedade poderia fazer pelos comerciantes afetados. Quem
sabe, os poderes público municipal e estadual promoviam uma anistia fiscal, abonando
taxas, impostos, garantindo também uma espécie de bônus, ou seja, o pagamento
de uma indenização que propiciasse a essas empresas sobreviver durante o longo período
de balbúrdia e de vacas magras. A verdade é que são poucos os que se importam
quando você está por baixo. Cada um que se vire para carregar a própria cruz, é
o que se diz por aí.

Não
encontro os adjetivos mais adequados para descrever com exatidão o semblante macambúzio
do Léo Rosca-de-Trança. Além de fã declarado, ele se parece fisicamente com o
John Lennon que foi baleado aos 40. Há mais de 30 anos, faz um dos pães mais
saborosos que já comi. O atendimento dos funcionários que, um dia, foi supimpa
e cordial, agora, anda triste, automático, desesperançado. Fui informado que as
moças bonitas e bem-humoradas que voltavam troco nos caixas tinham sido
dispensadas. Uma pena. Hoje, quem recebe as contas é a Sofia, a filha mais
velha do Léo, que foi recrutada durante o resguardo do filho caçula, como um
último recurso para tentar salvar a lavoura. Não deu certo.

Mesmo
nos estertores da bancarrota, o Léo me serve o último café da história. Estava
quentíssimo, como sempre; mas, o sabor, diferente. Penso que era pelo gosto
amargo na minha língua. Não tinha mais saída. Eu, que desde garoto, comia o pão
que o Léo amassou, quem diria, também tinha abandonado o coitado à própria
sorte, durante uma fase dramática da sua vida profissional. No caso dele, os transtornos
estavam apenas começando, sem nenhum benefício à vista. Come together, Léo.
Come together.

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