Os
homens de bem deste país nunca se sentiram tão autoconfiantes. Preferem que a
polícia atire na cabeça para matar. Um a menos para atazanar. A ralé que siga
de ônibus, porque os snipers nunca tremem. Tudo é uma questão de destino. Aos
nascidos em berço esplêndido, nenhuma chance para o azar. A família acima de
tudo. Deus — a sina de todos — enche a cara com drinques de chuva,
onipresentemente deprimido a cambalear sobre as nuvens flutuantes. “Por que
criei um mundo com seres humanos?” Jamais se viu um deus tão acabrunhado.
Precisava tanto chover sobre as florestas de corações-duros que ardem em chamas.
Todo este incêndio no discurso chama-se intolerância. Muitos estão confundindo
com liberdade de expressão. Há uma Amazônia-legal-de-ignorância esperando para
ser queimada, mas, isso ninguém queima. Tem muita gente convicta de que será
indispensável destruir a natureza selvagem para construir um país melhor e —
por que não? — menos selvagem. Pior do que está não fica? Amor de pica é o que
fica — dizem os pais-de-família ao pagar merrecas para fazer sexo com meninas
em prostíbulos. O que os olhos não veem o coração não sente. Eu te amo,
querida. E você merece um carro novo, sim, como merece. Acabou a indústria da
multa, mas, os cabarés continuam lotados de cristãos cometendo infrações
gravíssimas no trânsito digestivo. O coito anal, esse queridinho, nunca sai de
moda. Benditos sejam os tobas que jamais engravidam. A sociedade julga-se
moderna, libertária, mas, padece dos arroubos fascistas. Tenha amigos médicos,
desde que eles não sejam cubanos. Medo de micróbios pouca gente tem, mas, dos
comunistas. A proliferação de notícias falsas cresce mais do que os casos de
sífilis. Isso o INPE não mostra. Infelizmente, os satélites ainda não fazem um
RX exato da burrice. Vai faltar penicilina para tanta estupidez. Há um
descrédito generalizado da população pelas vacinas. E eu que não acredito no
povo? E o povo que não sabe fazer sequer uma simples interpretação de texto? O
sarampo voltou. Os militares voltaram. E a ignorância nacional nunca foi
completamente erradicada. Povo nenhum vai se libertar sem conhecer a própria
história. Histeria coletiva é outra onda. Espero que isso passe logo. Espero
nunca ser torturado. Tenho testículos sensíveis demais que choram por qualquer
motivo. Aliás, ando mais melancólico do que a média dos últimos cinquenta e
três anos. Júlia se mandou do Brasil. Vai estudar engenharia durante dois anos
na École Nationale des Ponts et Chaussées, em Paris, uma das faculdades mais
antigas e conceituadas do mundo. A tradição latina diz que homem não chora. Um
dia ela volta. Um dia eu ainda choro. Tomara que, no retorno, ela encontre um
país melhor onde possa construir pontes e estradas que nos levem a um mundo com
menos violência, menos intolerância e mais justiça social.
Cuidado com os homens de bem deste país publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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