domingo, 25 de agosto de 2019

Cuidado com os homens de bem deste país

Cuidado com os homens de bem deste país

Os
homens de bem deste país nunca se sentiram tão autoconfiantes. Preferem que a
polícia atire na cabeça para matar. Um a menos para atazanar. A ralé que siga
de ônibus, porque os snipers nunca tremem. Tudo é uma questão de destino. Aos
nascidos em berço esplêndido, nenhuma chance para o azar. A família acima de
tudo. Deus — a sina de todos — enche a cara com drinques de chuva,
onipresentemente deprimido a cambalear sobre as nuvens flutuantes. “Por que
criei um mundo com seres humanos?” Jamais se viu um deus tão acabrunhado.
Precisava tanto chover sobre as florestas de corações-duros que ardem em chamas.
Todo este incêndio no discurso chama-se intolerância. Muitos estão confundindo
com liberdade de expressão. Há uma Amazônia-legal-de-ignorância esperando para
ser queimada, mas, isso ninguém queima. Tem muita gente convicta de que será
indispensável destruir a natureza selvagem para construir um país melhor e —
por que não? — menos selvagem. Pior do que está não fica? Amor de pica é o que
fica — dizem os pais-de-família ao pagar merrecas para fazer sexo com meninas
em prostíbulos. O que os olhos não veem o coração não sente. Eu te amo,
querida. E você merece um carro novo, sim, como merece. Acabou a indústria da
multa, mas, os cabarés continuam lotados de cristãos cometendo infrações
gravíssimas no trânsito digestivo. O coito anal, esse queridinho, nunca sai de
moda. Benditos sejam os tobas que jamais engravidam. A sociedade julga-se
moderna, libertária, mas, padece dos arroubos fascistas. Tenha amigos médicos,
desde que eles não sejam cubanos. Medo de micróbios pouca gente tem, mas, dos
comunistas. A proliferação de notícias falsas cresce mais do que os casos de
sífilis. Isso o INPE não mostra. Infelizmente, os satélites ainda não fazem um
RX exato da burrice. Vai faltar penicilina para tanta estupidez. Há um
descrédito generalizado da população pelas vacinas. E eu que não acredito no
povo? E o povo que não sabe fazer sequer uma simples interpretação de texto? O
sarampo voltou. Os militares voltaram. E a ignorância nacional nunca foi
completamente erradicada. Povo nenhum vai se libertar sem conhecer a própria
história. Histeria coletiva é outra onda. Espero que isso passe logo. Espero
nunca ser torturado. Tenho testículos sensíveis demais que choram por qualquer
motivo. Aliás, ando mais melancólico do que a média dos últimos cinquenta e
três anos. Júlia se mandou do Brasil. Vai estudar engenharia durante dois anos
na École Nationale des Ponts et Chaussées, em Paris, uma das faculdades mais
antigas e conceituadas do mundo. A tradição latina diz que homem não chora. Um
dia ela volta. Um dia eu ainda choro. Tomara que, no retorno, ela encontre um
país melhor onde possa construir pontes e estradas que nos levem a um mundo com
menos violência, menos intolerância e mais justiça social. 

Cuidado com os homens de bem deste país publicado primeiro em https://www.revistabula.com



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