— Pai, canta Belchior!
Fiquei olhando com
admiração para o meu irmão. Não pelo fato da minha sobrinha de dois anos e meio
ter pedido para ele cantar “Princesa do Meu Lugar”, mas porque, ao presenciar aquela
cena entre pai e filha, fui levada de volta à minha infância. Aos domingos,
nossa família se reunia para o almoço, com o aparelho de som tocando as nossas
músicas.
Foi dentro de casa que aprendi
a gostar de Beatles, Led Zeppelin, Simon and Garfunkel e Raul Seixas. Se escuto
Roberto Carlos, lembro de minha mãe e suas histórias da juventude. Se ouço David Gilmour, relembro meu pai tocando sua guitarra
imaginaria.
Quando eu tinha 13 anos,
meus pais me levaram a um show do Toquinho. Minha emoção foi tão grande que até
me lembro de tudo daquela noite: a roupa que vesti, o lugar onde sentei na
plateia, o músico e seu violão e as lágrimas furtivas naqueles olhos de menina.
Depois que vovô faleceu,
meu pai herdou grande parte dos seus vinis de música clássica. Outro dia, o vi
sentado ao lado da vitrola, contemplando uma sinfonia de Beethoven. Tive a
sensação de que papai, em seu silêncio, estava, por meio das notas musicais,
conversando com meu avô.
Comentei esse ocorrido
com uma amiga e ela concordou comigo, e me disse que gosta de ouvir Chico
Buarque quando sente falta do pai: “é como se papai estivesse falando comigo, e
escuto seus conselhos quando ouço as canções que ele mais gostava”. Minha amiga
morava em outro país quando o pai morreu em um acidente, e ela sente tristeza até
hoje por não ter se despedido dele.
É o ciclo da vida. Como
dizem por aí, os filhos não são dos pais, eles são do mundo: chega uma hora que
dá vontade de ir embora, vida adentro, mundo afora. Para encontrar a liberdade,
saímos da casa da nossa infância, seja para estudar fora ou se casar; sem
dificuldade, deixamos nossos pais para trás. É que o novo nos espera! Só
pedimos para que mamãe não chore: “se der saudade, lembre-se que a terra é uma
ilha e meu amor é um passarinho, pode fugir da sua mão, mas voltará a te
visitar”.
Minha sobrinha fica
alegre quando meu irmão canta com ela. Assisti sua empolgação quando os dois cantaram
o refrão de “Princesa do Meu Lugar” (a pequena é a princesinha do papai). Mas,
quando ela for adulta e relembrar esta canção, sentirá novamente a alegria da infância;
como o cajueiro que volta a florir quando retornamos às nossas origens.
É que a melodia preenche
a distância e a ausência, e isso é quase como dar um beijo na saudade; porque aquelas
músicas que ouvíamos juntos nos fazem sentir a presença dos nossos pais outra
vez, nem que seja somente por alguns
instantes.
Felizes são os filhos que ouvem as músicas que os pais ouviam publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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