quarta-feira, 18 de março de 2020

A história por trás das canções de Tom Jobim

A história por trás das canções de Tom Jobim

Fotografia: Histórias de Canções: Tom Jobim (Casa da Palavra/Divulgação)

Para comentar o livro “Histórias de Canções: Tom Jobim”, de Luiz Roberto Oliveira e Wagner Homem (Casa da Palavra, 320 páginas) da faz-se necessário um preâmbulo: Tom nasceu pelas mãos do mesmo obstetra que dez anos antes trouxe ao mundo Noel Rosa. Órfão de pai aos oito anos, teve no padrasto seu maior incentivador musical, embora já vivesse em uma família recheada de músicos. Na adolescência, encantou-se com a música e teve como principal companheiro o violão, além do mar e do mato.

Como se antevisse a vida de seu filho, Dona Nilza Jobim, a matriarca, alugou um piano, e desde então Antônio Carlos passou a explorar o instrumento intensamente. Teve vários professores, mas foi Lúcia Branco (professora de Nelson Freire, Arthur Moreira Lima, Luiz Eça e Jacques Klein) quem sentiu nele a vocação para a composição. Ao concluir um exercício solicitado pela mentora, em 1947, surge a “Valsa sentimental”, música que carregava toda a influência dos compositores eruditos que ele estudava à época. Tom dizia que essa música seria sempre instrumental, até que a apresentou a Chico Buarque, em 1983. Chico não só mudou o título da canção como também lhe inseriu um poema belíssimo, surgindo daí a música “Imagina”.

O primeiro sucesso veio no ano de 1954, com “Tereza da praia”, música encomendada a Billy Blanco por Dick Farney, e que Tom musicou. Entretanto, pelo fato de sua mulher também se chamar Tereza, ter uma pinta no rosto e por ele tê-la conhecido na praia, Jobim ficou desgostoso, pois sua amada seria conhecida por todos como Tereza da praia. Tom não gostava de trabalhar na noite e dizia que estava indo para o “cubo das trevas”, um lugar onde os bêbados eram os comandantes.

Em 1956, acontece o encontro daqueles que comporiam a dupla mais famosa e emblemática da música popular brasileira: Tom e Vinicius. Mesmo sem muita convicção do que estava fazendo, Vinicius decidiu entregar a peça “Orfeu da Conceição” para que Tom a musicasse. Dentre tantas composições, uma se destacou das demais, e se tornaria um sucesso perene: “Se todos fossem iguais a você”.

Vinicius, muito ciumento, passou então a ocupar todo o tempo de Tom e este, por sua vez, dava suas escapadelas para compor com Aloysio de Oliveira, Newton Mendonça e Dolores Duran.

Quando se formou a tríplice coroa (Tom ao piano com as letras de Vinicius e o violão de João Gilberto), surgiu com ela a Bossa Nova, que promoveu seu germinar com o LP de Elizeth Cardoso, “Canção do Amor Demais”.

Mas o sucesso veio mesmo com João Gilberto, interpretando “Chega de saudade”, um marco em nossa história. Pouco tempo depois, tendo Newton Mendonça como letrista, Tom compôs “Desafinado”, cuja verdadeira intenção era fazer graça com os vários cantores desafinados que havia naquela época. A pilhéria ficou séria e João Gilberto a gravou de maneira antológica. Sinatra também! As versões de Stan Getz e Charlie Byrd venderam um milhão de cópias. “Desafinado” foi tão importante para a divulgação dessa nova música brasileira que o primeiro disco de Tom nos EUA recebeu o título de “Antônio Carlos Jobim — The Composer of Desafinado plays”.

O ano de 1959 foi marcante na vida de Tom Jobim, já que nele foram lançados três álbuns representativos da bossa nova, com o vanguardista “Chega de Saudade” de João Gilberto tornando-se um ícone desde então. Como compunham cameristicamente, Tom e Vinicius emplacaram nesse mesmo ano nove músicas inéditas no álbum de Lenita Bruno. Pena que o ano terminou com a morte de Villa Lobos, um dos ídolos de Tom.

Na definição de Tom, Vinicius era um poliedro cujo número de faces tendia ao infinito, tal sua capacidade em se imiscuir, com rara qualidade, em vários ramos da cultura: cinema, teatro, música e literatura.

A “Sinfonia da Alvorada” foi uma obra composta por Tom e Vinicius, sob encomenda de JK, para a inauguração de Brasília. A melodia desta obra é permeada por trechos incidentais de outras obras de Tom, sendo que o gran finale traz um trecho coral, recurso muito usado por J.S. Bach.

Na rua Nascimento Silva, onde morava, Tom vislumbrava de sua sacada o Corcovado e o Redentor. Surge aí a pictórica “Corcovado”, que seria gravada por vários cantores brasileiros e também por Johnny Mathis, Tony Bennett, Doris Day, Perry Como e Nancy Wilson.

“Samba de uma nota só”, uma obra de Tom e Newton Mendonça, emergiu após cinco anos de construção, e se tornou a segunda música brasileira mais conhecida no mundo.

Em 1961 é lançado nos EUA o álbum “Brazil’s Brilliant João Gilberto”. Em abril de 62, é lançado “Jazz Samba”, com uma versão instrumental de “Desafinado” por Stan Getz e Charlie Byrd que vendeu 1 milhão de cópias. A bossa nova estava plantada na terra de Tio Sam. Consagrou-se de vez no final daquele ano, com o lendário espetáculo do Carnegie Hall, desorganizado, mas profícuo. E o ano de 1962 termina com “Garota de Ipanema”, a canção brasileira mais executada no mundo, surgida numa mesa de bar desse mesmo bairro, por onde uma normalista passava, vindo do colégio, para depois voltar de maiô em direção ao mar…

Certa vez numa festa, havia uma moça que se negava a dançar twist e chá-chá-chá, dizendo em alto e bom tom: só danço samba! Foi o mote para que Tom e Vinicius compusessem “Só danço samba”.

“Francis Albert Sinatra & Antônio Carlos Jobim”, o disco gravado por ambos após Sinatra tê-lo chamado aos EUA para trabalharem juntos, é com certeza um dos melhores álbuns da história da música popular do século 20.

Em 1967 Tom compõe, sozinho, “Wave” e “Triste”, esta última composta em uma tarde, na Califórnia. “Retrato em Branco e Preto” marca o início de uma parceria proveitosa entre Tom e Chico Buarque. Reza a lenda que Tom, depois de receber a letra pronta, questionou Chico sobre o motivo de os versos falarem em retrato em branco e preto e não em preto e branco, a forma mais comum, ao que Chico teria respondido: “então terei que mudar para ‘vou colecionar mais um tamanco, outro retrato em …’”, e o resto todos sabem.

Porém a primeira vaia estava por vir e, veio com “Sabiá”, composição de câmara, muito elaborada, e criada em parceria com Chico. Ganharam o festival da canção em que a música concorria sob os apupos da plateia, que torcia por uma canção engajada ao momento político vivido.

Ainda que tivesse recusado propostas importantes para musicar filmes, Tom finalmente aceitou compor a trilha de “The Adventurers”, baseado em romance de Harold Robbins. Surgiam aí “Chovendo na roseira” e “Olha, Maria”, esta última com letra de Chico e Vinicius.

A canção “Matita Perê” deu-lhe um trabalho enorme, pois não conseguia terminá-la. Ao tempo de sua composição, num dia chuvoso em seu sítio em Poço Fundo, Tom dedilhou as primeiras notas de “Águas de Março”, cuja letra foi feita em um papel de embrulho. “Matita Perê”, nome de um pássaro que gosta do ermo, é então terminada com letra de Paulo César Pinheiro, com citações de Mário Palmério, Drummond e Guimarães Rosa. Foi tema principal do filme “Sagarana”, de Paulo Thiago.

Suspeita-se que “Ligia” tenha sido escrita para Lygia Moraes, que viria a ser mulher de Fernando Sabino.

“Ana Luiza” foi uma canção premonitória, no dizer de Tom, que teve a inspiração no bar Antonio’s, quando lá chegou uma moça linda e alta com esse nome. Inspiração premonitória, pois ele se casou com Ana e teve uma filha Luiza.

E dois bicudos se bicaram: em Los Angeles, onde Tom morava, Tom e Elis iniciaram juntos um projeto desencadeado pela gravadora Philips para comemorar os dez anos de carreira da inesquecível pimentinha. O encontro resultou num dos melhores momentos da música popular e os dois, mesmo às turras, se entenderam maravilhosamente bem.

Em 1976, Tom, com sua verve ecológica, lança um disco com o título “Urubu”. Nada mais Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim. Nele estão as composições “Boto”, “Correnteza”, “Ângela”, “Lígia”, “Saudade do Brasil”, “Valse”, “Arquitetura de Morar” e “O Homem”. Por incrível que pareça, a começar do título, este é o trabalho mais erudito de Tom.

“Falando de amor”, que este resenhista reputa como a mais bela do cancioneiro popular brasileiro, foi dedicada à segunda mulher de Tom, Ana Lontra Jobim.

Mais uma história de Tom e Sinatra: Sinatra estava em temporada no Carnegie Hall, com todos os ingressos esgotados. Os dois se encontraram na coxia, e no dia seguinte Tom e sua família estavam assistindo ao show quando um facho de luz os iluminou, enquanto Sinatra registrava, naquele momento, a presença na plateia do “melhor compositor do mundo: Antonio Carlos Jobim.

“Two kites”, originalmente escrita em inglês, com letra e música de Tom, o levou de volta à Billboard, tendo ninguém menos do que Michael Jackson como intérprete.
“Edu & Tom” foi outro álbum antológico: Edu ao violão, e Tom ao piano, passearam pela música como se passeia num bosque em Viena.

“Luíza” foi composta para uma novela, tendo como pano de fundo a beleza exuberante de Vera Fischer.

As raízes gaúchas de Tom (seu pai era do Rio Grande do Sul) foram expostas quando ele criou a trilha sonora para o seriado “O Tempo e o Vento”, baseado na obra de Erico Verissimo.

“Passarim” foi o start para a divulgação da banda mais nepotista de todos os tempos: a Banda Nova, composta por ele, mulher, filhos e alguns agregados.

“Anos dourados”, também composta por encomenda da Rede Globo, para a minissérie homônima, foi ao ar apenas na versão instrumental, pois Chico, seu parceiro nessa música, só conseguiu terminar a letra após o fim da veiculação da minissérie.

Em 1987, Tom teve seu nome registrado no Hall of Fame, ao lado de Cole Porter, Michel Legrand, Irmãos Gershwin e Irving Berlin.

“Antônio Brasileiro”, de 1994, é seu último disco. Tom Jobim não morreu: parafraseando Monteiro Lobato, ele virou hipótese. “Quando uma árvore é cortada, ela renasce em outro lugar. Quando eu morrer quero ir para esse lugar, onde as árvores vivem em paz.”

A história por trás das canções de Tom Jobim publicado primeiro em https://www.revistabula.com



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