Dez anos após a morte do Rei do Pop, a HBO lançou o polêmico
documentário “Deixando Neverland”. No documentário, é possível ver e ouvir
relatos sobre algo que atormentou Michael Jackson durante os seus últimos anos
de vida: as acusações de abusos sexuais cometidos por ele contra crianças, com
as quais tinha uma relação, no mínimo, estranha. Diante dos contundentes
depoimentos protagonizados por dois de seus acusadores, volta à tona a
controvérsia sobre esse lado sombrio da vida do astro mundial. Será mesmo que
esses crimes ocorreram?
Durante as mais de quatro horas do documentário, são apresentados
chocantes relatos e indícios de que os bastidores do rancho mais famoso do
planeta escondiam histórias escabrosas. O filme mostra dois ex-amigos próximos
de Michael, Wade Robson e James Safechuck — agora adultos —, que contam em
detalhes os supostos crimes de pedofilia cometidos pela maior estrela da música
americana. O fato de os depoimentos serem tardios seria justificado porque
Michael teria incutido no imaginário de ambos, desde cedo, que o amor entre eles
não permitiria brechas e exposições, já que autoridades e a população não
estariam prontos para entender aquele tipo de relação — comportamento conhecido
como “grooming”, ou preparação da vítima, comum entre predadores sexuais.
A imagem de Michael que se extrai do documentário é a de um perturbado
predador sexual de crianças, que atuaria à sombra da confiança dos pais dos
menores de que abusava. Aproveitando-se de sua fama planetária, de sua fortuna
e de um rancho mágico afastado de tudo, Michael Jackson, segundo a película,
conquistava os garotos e os iniciava em um bizarro e grotesco mundo precocemente
sexualizado — que incluía masturbação, vídeos pornográficos e salas secretas
espalhadas pelo rancho. Como evidências, são apresentados ao público cartas de
próprio punho do cantor e presentes que teriam sido trocados por favores
sexuais, além de gravações de sua voz e o relato da existência de um sistema de
alarme por meio de sinos que avisava o cantor da chegada dos pais das crianças,
para impedir que o flagrassem durante os atos obscenos.
Diante do considerável lapso de tempo transcorrido entre os supostos
crimes e as denúncias, e ainda mais se tratando de crianças, a palavra da
vítima tem forte peso como “prova” do ocorrido. O que mais se vê no documentário
são depoimentos pesados e brutais das vítimas, bastante detalhados e
pormenorizados, com o óbvio intuito de influenciar quem assiste a ver Michael
como um pervertido. Porém é preciso pontuar que, quando ainda adolescentes, os
dois acusadores haviam sido ferrenhos defensores de Michael Jackson, chegando a
servir como testemunhas-chave da defesa em outras ocasiões em que ele fora acusado
do mesmo tipo de crime — e absolvido.
Não há, em realidade, um contraditório eficaz no filme: a família de
Michael aparece em um espaço rarefeito e a defesa surge apenas no final, por
menos de 20 minutos. O bombardeio de relatos de situações repugnantes induz o
espectador a ter pelo cantor os piores sentimentos possíveis, mexendo a todo
instante com sua emoção. Na verdade, não é apresentada alguma prova de fato robusta o suficiente para
confirmar que os abusos alegados realmente ocorreram. Havendo apenas os
relatos, fica no ar a questão da veracidade das acusações.
Havia algo no comportamento de Michael que tornava difícil classificá-lo
como um simples excêntrico ou um predador sexual. É notório que ele
praticamente não teve infância, que sofreu nas mãos de um pai violento e que
parecia tentar ser um Peter Pan da vida real. Porém suas condutas nada
apropriadas, como ter crianças como seus melhores amigos e dormir com elas na
mesma cama, em nada ajudavam a desconstruir as acusações, servindo mais como um
álibi reverso.
Em todo caso, examinado a frio o documentário não é senão uma versão dos
dois ex-amigos de Michael, com seus pesados relatos conjuntos, que tanto podem
ser verdade quanto uma jogada para angariar recursos que não obtiveram com suas
ações milionárias anteriormente intentadas e frustradas. Wade, por exemplo,
passava por dificuldades financeiras, e foi rejeitado como coreógrafo para um
musical de Michael.
Não dá para saber com certeza o que ocorreu nos porões de Neverland a
partir do documentário. A ação do tempo, a falta de provas cabais e o conteúdo
unilateral prejudicam bastante a formação de um veredicto. Cabe ao
telespectador formar suas convicções com base em impressões chamuscadas pela
parcialidade. O filme tende a uma narrativa específica e a causar desconforto
no imaginário de quem acompanhou Michael como o artista espetacular que,
independente de qualquer outra coisa, ele foi. Resta assistir e tirar suas
próprias conclusões. Uma dica: prepare seu coração — e o estômago também.
Os assombrosos relatos sobre um Michael Jackson predador de crianças publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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