2019 foi trator. Mas
também foi bálsamo. Houve ossos estraçalhados pelo caminhão de loucuras que nos
amassou sem dó. E houve estrutura recomposta pela imensidão de força que
descobrimos possuir. Teve dor no peito, dor da perda, vontade de gritar. E teve
mão estendida, pé descalço na areia reencontrando o prumo, desejo de ficar.
2019 foi alvejado por desconfortos e desesperos. E preenchido por coragem e
altivez. Preto, branco e colorido, confuso e esclarecedor, irritante e
divertido, insano e dadivoso… 2019 foi simplesmente o que a vida é a toda
hora: um apanhado de altos e baixos que nos catapultam para frente ora com jeitinho,
ora com rigor implacável.
A gente gosta de se
iludir. Colocar a culpa na quantidade de eclipses que desnortearam o planeta
nesses 365 dias, falar que foi tudo causado pela regência de Ogum, bater
martelo dizendo que ano ímpar só poderia dar nisso. Há quem diz que o problema
são os jovens fora da igreja e quem garanta que faltou mesmo foi semente de uva
jogada pra trás em 31 de dezembro de 2018. Nos canais do YouTube uma centenas
de astrólogos asseguram que a posição da Terra não foi favorável. Nos canais
abertos, o “profeta” engravatado diz que é falta de oração. Alternando
mandingas e crenças, vamos nos convencendo de que o problema foi o ano e nos
preparando para deixá-lo para trás na esperança de que novos regentes e
alinhamentos planetários trarão a leveza que parece estar em falta.
Mas 2019, coitado, é só
um bode expiatório. É nosso amuleto da sorte ao contrário, ao qual nos apegamos
pensando: “ainda bem que está acabando”. É nossa forma de sofrer as mazelas
acreditando que elas pertencem ao ano e não à incansável peleja que é viver. É
nosso “já vai tarde” ao que é ruim e “seja bem-vindo” ao que é bom, na
expectativa de que os fogos da meia noite inaugurem uma nova Era.
Inegavelmente importantes
para nossa capacidade de recomeçar, os simbolismos da virada de ano nos
permitem lavar a alma. A contagem regressiva às vésperas do dia 1 de janeiro
ainda é a forma mais eficiente de reorganizarmos o caos cotidiano, de nos
resetarmos para sobreviver a mais um ciclo. Mas não é ali que reside nossa chance
de dar certo. Não é ali que está sacramentada a possibilidade de aguentar firme
o que está por vir.
A verdade é que novos
tempos acontecem a todo momento. Numa tarde de um domingo qualquer do mês de
outubro, no dia do seu aniversário, no minuto posterior ao pedido de perdão a
quem você tinha se afastado, na terça-feira em que decidiu por o ponto final no
que lhe fazia mal, no dia seguinte ao enterro do pai, à partida do grande amor,
à perda do emprego, ao diagnóstico da doença, à notícia da chacina no jornal. A
verdade é, sim, que reconheçamos toda hora porque a vida nos obriga a sermos
novos sem data marcada. Sem calendário prévio.
2019 foi trator e
bálsamo. E 2020 também será. 2021, 2022, março de 2024 e setembro de 2029.
Todos os anos, todos os meses e todos os dias serão essa incessante gangorra
que nos leva ao céu e ao chão. E será sempre assim: uma enormidade de pancadas
que nos fortalecem e assopros que nos aliviam sem hora anunciada. Por
precaução, pulemos as 7 ondas para um 2020 melhor.
2019: viver foi uma roda gigante publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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