quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Elizabeth Bishop disse que Clarice Lispector era maior do que Jorge Luis Borges

Elizabeth Bishop disse que Clarice Lispector era maior do que Jorge Luis Borges

Elizabeth
Bishop (1911-1979) estudou no Vassar College, era poeta, prosadora, tradutora e
deu aulas em Harvard — uma das mais importantes universidades dos Estados
Unidos. Viveu 15 anos no Brasil, entre o Rio de Janeiro e Ouro Preto, amou uma
brasileira, a urbanista Lota de Macedo Soares, possivelmente sua maior paixão,
e foi amiga de Carlos Lacerda (o filósofo Raymond Aron o achava inteligente
“demais” — o que era virtude —, mas não sabia ocultar sua inteligência, o que
seria defeito). Ao lado de Emily Dickinson e Marianne Moore, é apontada como
uma das maiores poetas americanas. Quando ganhou o Pulitzer, residia nos
trópicos. Ela se transformou, para os escritores brasileiros, numa ponte
cultural considerável nos Steites. Ser traduzido por Elizabeth Bishop — que
inclusive fazia lobby para brasileiros — não era e não é pouca coisa. Era uma
big chancela.

O
livro “Uma Arte” (Companhia das Letras, 792 páginas, tradução de Paulo
Henriques Britto), as cartas de Elizabeth Bishop, contém várias citações sobre
escritores patropis. Há opiniões idiossincráticas, por certo, como há nas
cartas que escrevemos para amigos e que, certamente, não são necessariamente
para publicação. Artigos, que se tornarão públicos de imediato, exigem um
refinamento e certa diplomacia; cartas íntimas, não. Mesmo assim, as missivas
da poeta são, no geral, excelentes. Percebe-se, de cara, uma tentativa de
valorizar a arte produzida por brasileiros, que, porém, não são tratados de
maneira condescendente. Há entusiasmo, mas não se perde o senso crítico.

Helena
Morley

O
Brasil tem um diamante lapidado nas Minas Gerais. Trata-se do livro “Vida de
Menina”, de Helena Morley (pseudônimo de Alice Dayrell Brant). Traduzido por
Elizabeth Bishop, o diário saiu nos Estados Unidos, em 1957, mas não se tornou
best seller. Mas foi lido por figuras consagradas da cultura americana, como os
poetas Robert Lowell e Marianne Moore.

Elizabeth
Bishop leu “Vida de Menina” e ficou mesmerizada com a história. “Ou muito me
engano ou trata-se de um verdadeiro ‘achado’ literário, uma ‘joia’ (e olhe que
sou muito exigente), e merece ser conhecido fora do Brasil”. É o que diz a Paul
Brooks, em julho de 1953. Helena-Alice foi apresentada à poeta americana por
Manuel Bandeira. “Eu estava muito empolgada quando comecei a traduzi-lo.” U. T.
Summers encantou-se com a história: era “o sonho de todo editor”.

Helena-Alice
disse a Lota que ficou imensamente feliz com a operação para publicar seu livro
em inglês. “A tradução está pronta. O marido da autora [Brant], porém, que tem
82 anos, creio eu, está ‘revendo’ o texto, palavra por palavra. Boa parte das
correções dele estão completamente erradas, coitadinho, mas é um direito dele,
e de vez em quando ele encontra um termo local, ou uma gíria antiga etc., que
se não fosse ele eu jamais poderia entender.”

Quando
o livro foi publicado nos Estados Unidos, Helena-Alice rapidamente perguntou
para Lota: “Está dando algum resultado?” Sim, embora “bilionária” — segundo sua
tradutora —, a memorialista queria dindim. Elizabeth Bishop ficou irritada: “Se
algum dia eu voltar a traduzir, vou escolher alguém que esteja bem morto”.

Marianne
Moore leu a introdução de Elizabeth Bishop sobre Helena Morley. Mas a poeta
quase-brasileira sugere, numa carta de 1958, que a par americana lesse o livro.
“A Helena é muito melhor do que qualquer introdução. (…) Estamos muito
satisfeitas com a recepção que o livro tem tido — nada muito profundo, mas os
críticos dos jornais parecem ter gostado”, informa a poeta. (Mais tarde, os
críticos Alexandre Eulálio e Robert Schwarz escreveram ensaios de alta
qualidade sobre “Vida de Menina”.)

Noutra
carta, também de 1958, Elizabeth Bishop se diz contente por saber que Marianne
Moore havia lido e apreciado “Vida de Menina”. “Confesso que sinto uma
necessidade insaciável de ouvir elogios ao livro. (…) Uma das coisas
extraordinárias deste diário, a meu ver, em comparação com outros diários de
adolescentes, é que ela vê as outras pessoas como muita clareza.”

Clarice
Lispector

Numa
carta de 1962, encaminhada a Ilse e Kit Barker, comenta que só os piores
escritores brasileiros haviam sido traduzidos. “Jorge Amado e [Erico] Verissimo
são chatos, chatos”. Acrescenta: “Mas recomendo qualquer livro de Machado de
Assis que vocês encontrarem — ele é o clássico — e um livro realmente
maravilhoso, cujo nome em inglês é ‘Rebellion in the Backlands’ [‘Os Sertões’,
de Euclides da Cunha] — leiam se encontrarem. Cal [Robert Lowell] fez o maior
sucesso aqui porque adorou o livro e vivia comparando-o a ‘Moby Dick”.

Clarice Lispector

O
entusiasmo de Elizabeth Bishop dirige-se a uma escritora, hoje redescoberta nos
Estados Unidos, graças, em larga medida, à biografia de Benjamin Moser, que
contribuiu para divulgar sua obra. Mas quem abriu as portas foi mesmo a,
digamos, poeta-“brasilianista”. “Encontrei uma escritora contemporânea de quem
realmente gosto — mora na mesma rua que nós” (Bishop e Lota). “Demorei para
começar a lê-la porque achava que não ia gostar, e agora constato que não
apenas gosto muito dos contos dela como também gosto dela pessoalmente. Ela tem
um nome maravilhoso — Clarice Lispector (é russo). Os dois ou três romances
dela não me parecem tão bons, mas os contos dela são quase como as histórias
que eu sempre achei que alguém devia escrever sobre o Brasil — tchekhovianas,
ligeiramente sinistras e fantásticas — devo mandar algumas em breve para a
‘Encounter’. Ela tem um editor em N. Y. que está interessado, e talvez eu
traduza o livro dela inteiro — jurei que nunca mais ia fazer tradução — mas
quando se trata de coisas bem curtas não me incomodo, não, e acho que eu devia
mesmo traduzir.”

Registra-se,
com agudo senso de observação, que Clarice Lispector “é uma mulher ossuda,
clara, quanto à aparência é totalmente russa oriental — o nome da raça é
‘quirguiz’, creio eu, ou coisa parecida — 
como a moça de ‘A Montanha Mágica’ [romance de Thomas Mann], imagino —
mas fora isso é bem brasileira, e muito tímida. (…) A Lota também gosta dela,
tanto quanto eu. (…) Na verdade, eu a acho melhor que J. L. Borges — que é bom,
mas também não é essas coisas, não!”

Graciliano
Ramos

Graciliano Ramos: apreciado por Elizabeth Bishop

A
santíssima trindade da literatura brasileira, em termos de prosa, é composta de
São Machado de Assis, São Graciliano Ramos (por sinal, tinha Oliveira como
complemento, o que talvez não lhe soasse bem) e São João Guimarães Rosa.
Elizabeth Bishop apreciava Graciliano Ramos — comunista de carteirinha, mas autor
de uma literatura que não seguia a cartilha do realismo socialista —, o que
sugere que não misturava arte e ideologia. Numa carta a Ashley Brown, de 1979
(ano em que morreu, o que indica que não se esqueceu de seu “segundo” país),
escreveu: “Infância’ foi um dos primeiros livros que li — com dificuldade — nos
meus primeiros anos no Brasil. Continuo achando que é um livro maravilhoso, e
não entendo como você não conseguiu (creio que foi o que você me disse)
publicá-lo nos Estados Unidos. (…) Fiquei lendo o livro, até bem tarde. Sua
introdução é ótima. Você quase não fala no período em que ele passou na prisão.
Outra coisa que eu li quando fui morar no Brasil é o livro dele sobre o
‘Cárcere’ — os quatro volumes — achei muitíssimo bom”. “Memórias do Cárcere” revela
a vida de Graciliano Ramos, aliado do comunista Luiz Carlos Prestes, na prisão
do governo de Getúlio Vargas, antes da ditadura do Estado Novo.

“Dei
uma olhada nos meus livros para ver o que eu tenho. Curiosamente, não achei
‘Infância’  — mas tenho ‘Angústia’, e
quase todos os outros — a maioria  dos
livros com dedicatórias carinhosas à Lota”, relata Elizabeth Bishop. Não há
referência à opus magna de Graciliano Ramos: o romance “Vidas Secas”.

Certa
feita, Otávio Tarquínio de Sousa e sua mulher, Lúcia-Miguel Pereira, levaram
Graciliano Ramos à casa de Lota e Elizabeth Bishop. “Não pudemos conversar
muito — e eu tinha medo de falar português.” O escritor “foi extremamente
simpático. Gostei muito dele, lembro”. Uma não-comunista gostar — “muito” — de um
comunista?! Pois é: coisas da estética e da civilidade (artigo tão em falta,
hoje, talvez devido à inflação de barbárie).

Manuel
Bandeira

Procede
que Elizabeth Bishop não apreciava Manuel Bandeira? Confira, por si adiante, e
lembre-se que ela escreveu um poema para o bardo de Pernambuco, que, dizendo-se
menor, consagrou-se entre os maiores — Carlos Drummond de Andrade e João Cabral
de Melo Neto.

Em
1953, numa carta para a poeta Marianne Moore (uma das preferidas de João Cabral
de Melo Neto), Elizabeth Bishop fala de Manuel Bandeira. Menciona Huizinga, que
aprecia, e relata que está “gostando muito de morar” no Brasil. “Cada vez
mais.”

“Eu
já lhe contei — mas acho que não — que Manuel Bandeira, o poeta daqui no
momento, um homem muito simpático de seus 65 anos — me levou para conhecer seu
apartamento uma noite dessas? Embora bem menor que o seu, ele me lembrou tanto
o seu que morri de saudade. Também ele instalou prateleiras — a cozinha dele é
tão arrumada quanto a sua —, embora ele afirme que só sabe fazer café e um doce
horrível muito popular aqui, feito com leite fervido e açúcar. (…) Os livros,
os quadros, o sofá, a escrivaninha dele lembravam muito as suas coisas. Ele é
muitíssimo interessado pela sua poesia e creio que a entende bem por que as
traduções dele que já vi são excelentes — embora ele se recuse a falar uma
palavra que seja em inglês”, diz Elizabeth Bishop a Marianne Moore.

Os
poetas, segundo Elizabeth Bishop, tinham mais importância no Brasil do que nos
Estados Unidos (o que reforça a “tese” de que somos os russos dos trópicos).
Ela conta que Manuel Bandeira queixou-se — em versos — à Prefeitura do Rio de
Janeiro de um pátio cheio de lixo. Pois alguém respondeu “com um lindo poema” e
o problema foi resolvido.

A
Pearl Kazin, revela que Manuel Bandeira tinha uma amante holandesa, madame
Blank, e que lhe dera uma rede. “Preciso levar o Brasil mais a sério e aprender
direito o diabo desta língua. Preciso decidir que atitude vou assumir em
relação ao país se vou ficar morando aqui para sempre. Como país, acho que o
Brasil não tem saída — não é trágico como o México, não, mas apenas letárgico,
egoísta, meio autocomplacente, meio maluco.” Informa que “os Estados Unidos
estão vivendo uma crise moral terrível no momento”. Afirma que Rui Barbosa e Carlos
Lacerda eram honestos. Mas Lacerda, frisa, “tem um ego grande demais”.

Quando
a poeta ganhou o Pulitzer, maior honraria cultural americana, Manuel Bandeira
publicou um texto, “Parabéns, Elizabeth”. Um verdureiro ficou contente com o
Pulitzer para “dona Elizabeth”, mas, a rigor, não sabia do que se tratava, pois
disse que outra cliente havia ganhado outro prêmio, uma bicicleta.

Ashley
Brown recebe uma missiva na qual Elizabeth Bishop relata que está traduzindo
poetas brasileiros, como Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto.

Robert
Lowell fica sabendo, em 1962: “Gosto de Drummond […] mais que de Bandeira, eu
acho. Não o conheço. Eu e o Bandeira chegamos a ficar razoavelmente amigos uma
época — eu costumava fazer geleia de casca de laranja para ele — mas nossa
amizade foi se espaçando”.

Na
mesma carta a Robert Lowell, Elizabeth Bishop postula que o poeta Jorge de Lima
“era um médico louco — pintava e escrevia no consultório”. “Alguns de seus
textos surrealistas são muito bons.” Em 1962, admite que apreciou frases de uma
escritora “primitiva” brasileira, Carolina de Jesus: “Ele é um repórter
poliglota. Ele conhece os continentes”. “Quero usá-las”, sublinha a poeta.

Keith
B. “queixou-se das ‘lacunas’ na formação dos brasileiros, nas áreas de
economia, literatura etc. — concordei, mas disse que eles — pelo menos a
geração mais velha e a de meia-idade — tinham uma sólida base de francês, todos
conheciam Racine etc. — a Lota, aliás, foi educada em francês — e nisso eles
dão banho na gente. (…) O Keith B. pediu ao Bandeira para traduzir alguns
poemas seus. (…) O Bandeira achou difícil demais”, pontua Elizabeth Bishop em
carta a Robert Lowell. Ela acrescenta que os brasileiros liam Frost, Edna St.
Vincent Millay, Emily Dickinson, Pound, e. e. cummings, Eliot. “Wallace
Stevens, conhecem vagamente, e da Marianne [Moore] nunca ouviram falar.” Antes,
ela havia dito que Manuel Bandeira lia sua poesia.

Drummond
de Andrade

Carlos
Drummond de Andrade, maior poeta brasileiro, só tem um rival, o vice-campeão
João Cabral de Melo Neto (talvez o T. S. Eliot brasileiro). Escrevendo para
Ashley Brown, Elizabeth Bishop não se furta a pedir emprego para o brasileiro
Ricardo Sternberg, que estava escrevendo uma tese de doutorado sobre Drummond
de Andrade, em Harvard. “Saiu uma tradução horrível de Drummond de Andrade no
último número da ‘American Poetry Review.”

Carlos Drummond de Andrade

May
Swenson recebe informações, em 1963, sobre o poeta itabirano. Ela traduz um
trecho do poema “A Máquina do Mundo”: “Mundo mundo vasto mundo/ Se eu me
chamasse Raimundo/ Seria uma rima, não seria uma solução./ Mundo mundo vasto
mundo,/ Mais vasto é meu coração”. “Isto”, escreve Elizabeth Bishop, “é de um
poema que eu gosto do meu poeta brasileiro favorito, creio eu — Carlos Drummond
de Andrade. (…) Vou pedir que publiquem ‘Mundo mundo vasto mundo’ em português,
como nota de rodapé — para se ver como eu mutilei o original”.

Em
junho de 1963, Elizabeth Bishop envia carta para Drummond de Andrade com a
tradução de um poema de sua autoria e pede que a examine. “Espero que o senhor
confie em mim quando lhe digo que em inglês o poema é muito comovente, tanto
quanto em português. A tradução está bem literal — fora umas liberdades mínimas
referentes à pontuação, omissão de ‘e’ etc., para conservar a métrica. (…) Se
houver qualquer coisa que não lhe agradar, por favor me diga — e se não gostar
de nada, pode dizer também!”

A
poeta informa a Drummond de Andrade que “uma revista (americana)” havia
convidado-a “para traduzir poemas brasileiros”. Trata-se da “Poetry”, de
Chicago. “No momento, estou traduzindo ‘A mesa’ — é muito mais difícil,
naturalmente, mas é um dos meus favoritos. Tentei também trabalhar com alguns
dos mais curtos, rimados — são quase impossíveis, é claro, por causa das rimas
— mas minha intenção é dar ao leitor uma visão geral da sua poesia, se possível
— e vou redigir uma nota explicando as deficiências das traduções. Segundo me
dizem, o senhor é ‘tímido’ com desconhecidos — infelizmente eu também sou, e
além disso falo mal o português”.

Noutra
carta, de agosto de 1963, Elizabeth Bishop informa a Drummond que traduziu seu
poema “Viagem na família”. “É claro que se perde uma infinidade de coisas em
termos de musicalidade, conotações etc. — mas assim mesmo saiu um bom poema em
inglês.”

Robert
Lowell, conta Elizabeth Bishop para Drummond de Andrade, apreciou o poema “A
Mesa”. A poeta reconhece que as versões de “Poema de sete faces” e “Não se
mate” não ficaram boas. “Eles são quase intraduzíveis. Porém, se o sr. aprovar,
eu os mando para ‘Poetry’ também, para dar ao leitor americano uma visão geral
mais completa da sua poesia. (Às vezes recito esta estrofe para mim mesma,
quando estou triste.) ‘Não se mate’ saiu melhor. O ‘verso livre’, como
certamente o sr. sabe tão bem quando eu, ou melhor, tem que sofrer  várias mudanças para funcionar direito — quer
dizer, em termos sonoros — ou em termos de sensibilidade — em outro idioma. (…)
Creio que vou deixar a dedicatória para o Rodrigo [Melo Franco de Andrade], e
talvez explique quem ele é, também — pois gosto tanto dele que quero
mencioná-lo.”

Em
abril de 1969, Elizabeth Bishop escreve para May Swenson: “Ele [Drummond de
Andrade] é um poeta bom, estranho, seco — é uma pena ele não ser conhecido fora
do Brasil”. Em 1969, informa a Drummond de Andrade que “A Mesa” havia sido
publicado na prestigiosa “New York Review of Books”. O vate mineiro recebeu 100
dólares. “O poema foi muito admirado. No momento estou ajudando a organizar uma
antologia de poesia brasileira, e este poema será utilizado, é claro —
português numa página, inglês en face”.

Em
carta de maio de 1969, Elizabeth Bishop anota que adorou saber que Drummond de
Andrade gostou da tradução do “lindo poema ‘A Mesa’”. Em leituras feitas nos
Estados Unidos, a poeta informa que “‘Viagem na família’ foi ouvido com muito
interesse”. Ela lamenta o fato de que o poeta não quis ler seus poemas nos Estados
Unidos.

João
Cabral de Melo Neto

Tido
como o mais “cerebral” dos bardos brasileiros, com seus poemas expurgados de
sentimentalismos — espécie de Graciliano Ramos da poesia —, a arte de João
Cabral de Melo agradava a Elizabeth Bishop. A poeta agradece a Ashley Brown por
ter aceitado que mexesse numa tradução de uma poema de João Cabral. “É um poema
muito difícil.”

João Cabral de Melo Neto

Robert
Lowell recebe carta, em 1958, que versa, longamente, sobre João Cabral: “Ele é
diplomata (como todos os poetas latino-americanos) e sua carreira ia de vento
em popa quando, alguns anos atrás, foi acusado 
de ser comunista — até onde sei, a acusação é totalmente infundada, mas
provavelmente ele era simpatizante — pelo menos a poesia dele é a única que
conheço no Brasil que demonstra verdadeira simpatia, e que tematiza os pobres —
os retirantes, e alguns dos poemas dele são muito bons. (…) Ele não é muito
bonito — aliás, é um típico nortista [i. e., nordestino] — meio desleixado,
raquítico, cheio de verrugas — gerações de clima quente e má alimentação — mas
é realmente encantador e inteligente, e um grande admirador seu”.

Em
outubro de 1960, volta a escrever para Robert Lowell sobre João Cabral. Diz que
planeja traduzi-lo para a “Poetry”. “Ele é o único de quem eu realmente gosto
muito — mas os [poemas] dele não ficam muito bons em inglês — muito compridos.
Ah, essas línguas latinas exuberantes, tão cheias de assonâncias — parece que a
pessoa é tentada a se esparramar mais e mais”.

Cecília
Meirelles

Cecília
Meirelles é uma grande poeta? Não há a mínima dúvida. Talvez mais moderna do
que aparenta à primeira vista — e moderna numa dimensão diversa de outros
poetas. Ela trilhou caminhos próprios, não repetindo outras vates. É menos
convencional do que parece, talvez devido à sua dicção que, embora moderna,
parece antiquada (sem ser pomposa). Tanto que, numa carta para Robert Lowell,
de 1962, Elizabeth Bishop escreve: “Cecília Meirelles, que é antiquada, mas
muito boa, lembra a Louise Bogan da primeira fase, no que ela tem de melhor”.
Cinquenta e sete anos depois, com uma fortuna crítica mais avantajada, o termo
“refinada” tende a substituir “antiquada”.

“A
coisa mais engraçada que descobri é que em Belém, veja só, a poesia americana é
muito mais conhecida e estimada do que aqui no Rio — em parte porque é bem mais
perto dos Estados Unidos, e em parte porque um poeta chamado Robert Pack (creio
eu) viveu lá, não sei por quê, por dois ou três na anos”, diz Elizabeth Bishop.
Mário Faustino, que morreu em 1962, aos 32 anos, morou em Belém. E lá, durante
anos, pontificou o grande crítico Benedito Nunes. Clarice Lispector residiu na
cidade.

O
concretismo de Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos (o único
vivo, com 88 anos) fez sucesso e quase se tornou uma camisa de força para a
poesia brasileira. Até Manuel Bandeira e João Cabral aproximaram-se dos
concretistas — que tendiam a tentar ser “mestres” dos poetas do presente e,
estranho, até do passado. Elizabeth Bishop fala mal do “neoconcretismo” (a
turma ligada ao poeta Ferreira Gullar?). Ela escreve para Robert Lowell, em 1962:
“Vão lhe mostrar uma coisa horrível chamada neoconcretismo — puro Paris anos
20. É este o problema — são tão provincianos, os jovens saem pela tangente e
fazem redescobertas inúteis — e os velhos se acomodam com muita facilidade”.

Vinicius
de Moraes

O
poeta e compositor Vinicius de Moraes “é”, segundo Elizabeth Bishop, “uma
pessoa do tipo de Dylan Thomas, todos se aproveitam dele”. Ela diz que o
brasileiro tem um poema sobre a mulher que é “muito bom, engraçado”. Frisa que
vai tentar traduzir o “Soneto de intimidade”. Adiante, informa que o traduziu.
“Eu acho bem engraçado.”

Se
Elizabeth Bishop não se interessava pelo Brasil, nem Cupido saberá dizer alguma
cosita más. A poeta era, de certa maneira, apaixonada pelo país — o que aparece
relativamente disfarçado, dado o jeito distanciado de relatar as histórias.

Elizabeth Bishop disse que Clarice Lispector era maior do que Jorge Luis Borges publicado primeiro em https://www.revistabula.com



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