terça-feira, 31 de dezembro de 2019

O espírito não carrega excesso de bagagem. Tudo o que não servir mais, jogue fora

O espírito não carrega excesso de bagagem. Tudo o que não servir mais, jogue fora

Não sei você, mas tem hora
que me sinto meio intoxicada. Abro as gavetas e só vejo bagunça, reparo um
trincado feioso no vidro do celular, futrico as maquiagens e descubro que
várias já passaram da data de validade. Esbaforida, percebo que o relatório
prometido para a sexta passada está atrasado — de novo! — e que a visita ao
centro de caridade que me comprometi a fazer acabou ficando para o mês que vem.

Aflita, percebo estar
atrasada. Abro a sapateira, o armário de roupas, o de cosméticos e os vejo
abarrotados de objetos que não uso. Os livros que leria este ano ainda estão
envoltos em um plástico irritante, ao lado das revistas semanais que se
acumularam ao longo dos últimos meses. Metade de minha agenda está inconclusa,
mas, de alguma forma, o dia já acabou. Dois segundos, já estamos em 31 dezembro,
parece até pegadinha do deus Chronos.

Quadros como esses merecem
uma faxina e nada mais justo do que providenciá-la no último mês do ano. É
sempre interessante faxinar a casa, o espírito e começar o próximo ano com o pé
direito. Para isso, são necessários esfregão, música bem alta e alguns dias na
agenda — de preferência uma semana inteira. Vamos “feng-shuizar” o ambiente.

Primeiro, o guarda-roupas. É
bom tirar tudo lá de dentro e jogar em cima da cama, junto com todas as pessoas
que integram o seu dia a dia. Faça uma criteriosa análise e selecione aquilo e
aqueles que de fato merecem permanecer. É importante ser honesto nessa hora, ou
algumas peças e pessoas voltarão para lá por puro comodismo. Faz sentido
guardar aquela calça 36 que não serve desde que você tinha 13 anos? É
interessante manter a amizade com aquele colega de trabalho que se sente bem ao
humilhar a faxineira todos os dias? Limpe o armário e devolva apenas o
fundamental. Na primeira oportunidade que tiver, doe as roupas em mãos e abrace
aquele que as receber. Elas podem ser peças importantes na faxina desse
receptor. Já o colega de trabalho, bem… Não precisa doá-lo a ninguém!

Passe para a sapateira. Os
sapatos são os responsáveis por conectar nossos pés ao chão. Talvez seja hora
de repensar os pilares que norteiam a vida, a fim de checar se andam mesmo bem
sólidos. Família, carreira, relacionamento afetivo, amizades, religião… Se as
traças tiverem começado a agir, é hora de analisar a possibilidade de alguns
sapatos serem reformados. Ah, sim, não dá para sair desfazendo de todos eles,
afinal são nossos pilares! Alguns, quando devidamente limpos e reformados, são
capazes de nos dar estabilidade e firmeza ao caminhar. Mas se o sapato incomoda
demais, ou você simplesmente não os utiliza, talvez seja hora de repensá-los.
Repensar o óbvio é fundamental.

Próximo passo: revistas e
livros. Esses itens tendem a acumular poeira, mofo e energia parada. Você
realmente lerá aquela revista de dois anos atrás? Será que não compensa passar
aqueles livros já lidos para frente? Fora os que são de estimação, será que
alguns não seriam mais úteis ao mundo se passados adiante? Já aproveite o
embalo e tire a poeira dos que forem ficar. Quanto às revistas, recicle-as
junto aos velhos hábitos. Há coisas que fazemos por inércia, no piloto
automático, mas são absolutamente desnecessárias. Descubra caminhos diferentes
no trânsito, substitua aquela novela por uma leitura interessante, troque o
sábado de ócio por um trabalho voluntário. Enfim, lance novas perspectivas
sobre tudo hoje e sempre.

Encaminhe-se ao banheiro e
mexa nos armários. Certamente há produtos ali que você guarda há séculos, assim
como aquelas dores e mágoas que sutilmente foram se acumulando de uns tempos
para cá. Banheiro é lugar de limpeza e resolutividade, não um depósito de
coisas inúteis. Veja que mágoas lhe têm causado incômodo, que perdões você não
foi capaz de conceder, que palavras amargas foram proferidas ultimamente.
Faxine geral e tome providências. Não faz sentido procurar a luz, escondendo um
punhado de sombras em alguma gaveta perdida na alma.

Em uma de suas crônicas, Lya
Luft conta um episódio sobre a vida de sua mãe: “Minha mãe recentemente mudou
do apartamento enorme em que morou a vida toda para um bem menorzinho. Teve que
vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras, que havia guardado e,
mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e
simplificada, rejuvenesceu”.

Final de ano tem cara de
faxina, de colocar as coisas em dia e riscar velhas pendências da agenda e do
espírito. Hora de levar o carro para a revisão, fazer check-up da saúde,
esvaziar o escaninho, dar um corte no cabelo, ajustar as roupas na costureira,
colocar a moldura no quadro encostado e finalmente ir tomar um vinho em
companhia dos amigos com os quais você vive remarcando o encontro.

Quando tudo estiver limpo,
abramos portas, braços e janelas, passemos nosso melhor perfume e caminhemos
rumo ao sol do novo ano que se projeta. Afinal, de nada adianta pular sete
ondinhas e esperar a felicidade de braços cruzados!

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