Em um país cuja taxa de desemprego, segundo dados
oficiais, beira os dois dígitos, a procura por alternativas laborais deixa de
ser uma prática paralela para ser encarada como necessidade real. As novas
tecnologias possibilitaram o surgimento de mercados fora dos eixos tradicionais.
Dentre essas novidades, o marketing multinível surge como uma das mais atraentes.
Porém, apesar do mundo de maravilhas vendido por parte de seus adeptos, a busca
pela independência financeira pode trazer experiências desagradáveis com a
mesma intensidade com que convence as pessoas a entrar no segmento. É aí que a
busca por um sonho pode vir a se tornar um grande pesadelo.
Esse tipo de empreendimento funciona pelo encurtamento
brusco do número de intermediários entre fabricante e consumidor e com o deslocamento,
para os próprios distribuidores, dos altos valores que seriam investidos em
propaganda. Dessa forma, os associados lucram com uma percentagem sobre a venda
dos produtos ou com a formação de redes de consumo inteligente. Além de ser um
negócio legítimo e desenvolvido em vários outros países, no Brasil há entidades,
como a Associação Brasileira de Vendas Diretas (ABEVD), que promovem e
representam as empresas do segmento.
O procedimento padrão para cooptar empreendedores é bastante
conhecido. Por meio da selling pitch,
que nada mais é que uma técnica de vendas em que se estabelece uma apresentação
do negócio com estratégia específica de fechamento imediato, os distribuidores fazem
reuniões, que podem ser caseiras, realizadas em salões ou até mesmo em grandes
auditórios. Há um tom de mistério e uma aura de urgência que mistificam a
promoção da empresa, fazendo com que o deslumbramento por viagens, altos rendimentos
e, principalmente, a obtenção da sonhada independência financeira sejam os
grandes atrativos para a captação de novos adeptos.
Desde que a formação de rede não seja o único meio de
sustentação do negócio, a prática é adequada como forma de se alcançar
objetivos financeiros, com a venda dos mais diversos produtos. Já o
recrutamento ininterrupto de pessoas com a promessa de ganhos altos e rápidos
indica, na verdade, a malícia das famosas pirâmides financeiras, que normalmente
não dão nada além de prejuízo aos menos precavidos — ou mais ávidos por dinheiro
fácil. Obviamente, em um nicho que agrega milhões de pessoas ao redor do mundo,
há espaço para aproveitadores de todo tipo. E essa é uma das maneiras mais
comuns e sedutoras de se arruinar a vida das vítimas de golpes, sejam elas
desavisadas ou não.
No universo do marketing multinível no Brasil, chama
atenção a proliferação de gurus especializados em desenvolver crença e
motivação para a permanência dos empreendedores no negócio. Em algumas das reuniões
onde acontece o treinamento dos distribuidores, a técnica de retenção dos
adeptos acabou se transformando em uma máquina paralela de obtenção de renda. É
como se fosse uma verdadeira e lucrativa seita. Como um mercado dentro de
outro, esses líderes do negócio — normalmente, coaches com formação em programação neurolinguística — promovem
palestras cujos atrativos são suas próprias histórias de vida, a fim de
potencializar habilidades e desenvolver resultados espelhados pelo exemplo de
quem supostamente venceu. Até aí, nada de muito errado.
O grande problema não são as vendas diretas ou as
palestras motivacionais, mas sim a venda de ilusões. Assim como o mercado
tradicional, o marketing de rede também tem seus defeitos, alguns deles
decorrentes justamente de aproveitadores que visam lucrar com a ganância
alheia. Dotados de boa oratória e exibindo nas redes sociais um estilo de vida
invejável, profissionais inescrupulosos fazem em seus seguidores uma verdadeira
lavagem cerebral, persuadindo-os a desembolsar valores que comprometem suas
economias para a manutenção das atividades. O abuso da boa-fé alheia por parte desses
“mentores” é uma verdadeira máquina de moer patrimônios, causando, inclusive,
estrago nos relacionamentos cotidianos das pessoas transformadas em “zumbis” do
negócio. Para muitos, a mentoria acaba sendo um curso de formação de bitolados.
É preciso ter cautela e parcimônia no desenvolvimento
de qualquer ramo de negócios. No marketing multinível, a despeito de suas
vantagens sobre o mercado tradicional (baixo investimento, dispensa de
estrutura pesada etc.), a atenção deve ser redobrada, justamente devido à
informalidade que move o ramo. Além das pirâmides travestidas de negócio legal,
o meio infelizmente é propício para charlatães que se aproveitam da
vulnerabilidade alheia para potencializar ainda mais os próprios lucros. A
ganância por dinheiro fácil cega, representando uma tênue linha que pode
transformar um belo sonho em um cruel pesadelo por endividamento.
É a consolidação prática da velha máxima do barato que
costuma sair muito caro. Definitivamente, não existe almoço grátis.
Marketing multinível: quando a ganância por dinheiro fácil cega publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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