domingo, 19 de janeiro de 2020

Os fascistas morrem pela boca

Os fascistas morrem pela boca

Vivemos dias de rara putrefação ética e moral.
A Inês não somente é morta, como urubus de todas as ordens pousam os seus hálitos
insolentes sobre a fétida carniça da dignidade humana. Bicam, primeiramente,
nos olhos, a parte mais amolecida dos cinco sentidos; depois, atacam os
ouvidos. É cada coisa que se vê. É cada coisa que se escuta. É cada gente que
se move. Morre-se pela boca, mas, os tolos são zumbis intransigentes e seus
corações de pedra só sabem pulsar sangue.

Houve um tempo em que as pessoas coravam
de vergonha ao confessar os seus instintos mais primitivos. Roubar, torturar, matar,
por exemplo. Hoje, não apenas propalam a lamentável estupidez interior, como
fazem publicidade dos seus horrendos sentimentos internos, exaltando-os como se
fossem atributos de justiça terrena ou divina indispensáveis ao homem contemporâneo,
muitas vezes, aliando preceitos religiosos fundamentalistas como justificativas
de atos agressivos e comportamento deplorável.

São esses indivíduos, patetas por criação,
hipócritas por definição, velhacos por vocação que enfiam brochuras bíblicas
sob as axilas fedorentas e vociferam que Deus está no comando, como se fora Ele
um miliciano. E não tem religião, nem tem polícia, que solte a peia da corrupção
entranhada no seio da sociedade. Pensem num país tropical, abençoado por Elvis
e bonito por natureza, que nasceu para ser pilhado pelos seus filhos. Eis, então,
uma nação capenga, desabilitada para a justiça social, habitada por um amontoado
de gente extrovertida, trabalhadora, religiosa e malandra que acorda cedo em
busca do pé-de-meia.

Os fins justificam os meios, é o que se
diz. Ando meio aturdido com os fins, com o comportamento inconveniente de
muitos. Dinheiro é um câncer, mas, ninguém abre mão dessa praga. Até aqui, nenhuma
novidade. Todos gostam do conforto propiciado pela grana. Depois da casa da
gente, boteco é o melhor lugar do mundo. Aliás, de igreja, hospital e cemitério,
quanto mais rápido a gente sair, melhor. Ouvi esses e outros aforismos jocosos da
boca filosófica de um cego inebriado por teorias conspiratórias, cuja maior revelação
foi sugerir que a máfia, finalmente, tinha ascendido ao poder, em todas as
esferas plausíveis. Não quis contradizê-lo. Sinto sono e preguiça quando bebo e
não tenho a visão privilegiada de um cego. Aleijado por dentro, falta-me condição
emocional suficiente para compreender por que os sacripantas vivem fase tão
alvissareira.

A internet tem-se revelado um marco
regulatório na história da humanidade, a verdadeira Caixa de Pandora que tantos
temiam. Espetáculos de horror invadem o raso cotidiano virtual, trazendo tensão
e outras afetações psíquicas que podem culminar na depressão, no autoextermínio
ou no vício pela música sertanejo-universitária tocada em altos decibéis, por
exemplo. Brincadeiras às favas, nunca se tomaram tantos psicotrópicos. Há
pouco, assisti, aturdido, a um trecho de vídeo no qual um sujeito, uma alta
autoridade governamental plagiava um fragmento do discurso de Joseph Goebbels,
como se ele, o antigo ministro da propaganda nazista de Hitler, fosse Shakespeare.
O moço acabou exonerado das tripas oficiais mais rápido do que a cloaca de um
pombo. Ponto para o governo, ainda que vários dos seus integrantes pareçam destrambelhados.

Nunca as causas ideológicas foram tão mal interpretadas
e mal defendidas quanto nas redes sociais da internet. Deselegância. Agressividade.
Impaciência. Falta de empatia. Propagação de notícias falsas. Pode ser que
coisas assim expliquem, em certo grau, os meus ímpetos desgraçados,
antissociais, de preferir o isolamento, de evitar agrupamentos de pessoas, em
especial, aquelas que desenvolveram talento para serem desagradáveis. Quando querem
me atingir moralmente, certos “amigos” me acusam de ser “perfeito”. Não sei do
que se trata. Não sou tão perfeito quanto esses cínicos e perfeitos idiotas imaginam.
Tenho lá os meus pecados, os meus instantes de fúria, os meus ataques de histeria
e de mau gosto. Sou tão humano quanto um cachorro. A diferença é que não mordo.
Eu cuido das próprias fraquezas como se fossem cães ferozes: eu as acorrento. E
queira Elvis que, nunca, nem por um instante, eu as solte da coleira. Sabe-se lá
do que será capaz um homem cego de paixão.

Os fascistas morrem pela boca publicado primeiro em https://www.revistabula.com



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