Gente que tem o péssimo hábito de viver em
São Paulo realiza um desagradável ritual no final de cada ano: “descer” pra
praia no Réveillon. Só pode ser problema de cabeça.
Quando “desce” para o litoral, você
finalmente entende a Teoria da Relatividade. A percepção do tempo muda a partir
do seu lugar no espaço. A distância entre São Paulo e Ubatuba é de 250
quilômetros e pode ser percorrida em três horas. No final de ano, o percurso leva
20 horas. No mundo normal, num período de, digamos, seis horas, você almoça,
vai ao cinema, passa na livraria, volta para casa e dá uma espiada numa nova série
de TV. Na estrada, nesse mesmo tempo você percorreu 50 quilômetros.
Uma vez na praia, você pode finalmente se
livrar do seu complexo de culpa pequeno-burguês e se sentir um flagelado da
seca. Suado e sujo, você anda na areia quente carregando uma montanha de
tranqueiras: guarda-sol, isopor, baldinho, pazinha, cadeira, bolsa, esteira, bronzeador
e chapéu de palha. Pra experiência ficar ainda mais autêntica, só falta arrumar
uma cadela e batizar de “Baleia”.
Finalmente instalado na areia quente, debaixo
de um guarda-sol incapaz de fazer sombra, a tradição manda que você ingira
alguma gororoba pingando óleo de trinta frituras enquanto entorna vários litros
de cerveja aguada. Não perca tempo procurando uma witbier, uma Weiss ou uma
IPA. Esse tipo de frescura não combina com o ambiente. Cerveja na praia só tem
duas: Skoll e Itaipava. Ambas servidas à temperatura ambiente, que é de 40
graus à sombra.
No guarda-sol à esquerda, tem sempre um bando de gente tatuada escutando funk. À direita é a mesma coisa, só que eles escutam sertanejo. A praia pode estar entupida de gente, mas você jamais — nunca, ever, em hipótese alguma — verá alguém ouvindo Miles Davis. É só funk e sertanejo.
Mas escutar música ruim e tomar cerveja quente até que faz sentido, pois só existe uma maneira de ser feliz nesse ambiente dantesco: ignorar vozes humanas e estar à beira do coma alcoólico. A sobriedade é muito perigosa quando você está suado, salgado, sujo de areia, melecado de bronzeador e ardendo debaixo do sol. Sem o entorpecimento proporcionado pela Itaipava e pelo Gusttavo Lima, você pode se dar conta do vazio que é a existência e cometer suicídio antes mesmo da queima de fogos.
A queima de fogos acontece à noite. É quando, além de suado, salgado, sujo de areia, melecado de bronzeador, com uma cerveja quente na mão e cercado de nativos que escutam funk, você ainda pode ser acertado por um rojão.
Depois de toda essa provação, você finalmente
entra no carro e gasta outras 30 horas para “subir” a serra. Só que agora,
ardendo de queimadura e suando feito um porco, você é praticamente um leitão à
pururuca sobre rodas.
Quando chega em casa, joga os sapatos
longe e se atira no sofá, você promete a si mesmo que nunca mais repetirá essa
viagem aos quintos dos infernos. Até que chega dezembro e você começa a planejar
o réveillon no litoral.
Como destruir seu Réveillon publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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