Publicado originalmente na revista
“Babel”, de Buenos Aires em 1927, o “Decálogo do Perfeito Contista”, de Horacio
Quiroga, se tornou uma espécie de receituário para contistas iniciantes. “O
‘Decálogo do Perfeito Contista’ é, por um lado, a profissão de fé de um exímio
contista, a partilha — generosa, diga-se — de um conhecimento forjado a duras
penas, com o objetivo, talvez, de maneirar os excessos literários da juventude,
mas, por outro lado, é também um documento literário de uma época e de um modo
de se pensar a literatura.”
Contemporâneo de Jorge Luis Borges,
Leopoldo Lugones e Juan Carlos Onetti, Quiroga nasceu em Salto, Uruguai, em
1878. Poeta, romancista, diplomata e dramaturgo. Sua vida foi marcada por
acontecimentos trágicos — a morte violenta do pai, o suicídio do padrasto, a
morte brutal de dois de seus irmãos, o suicídio de seus três filhos e,
posteriormente à sua morte, também por suicídio ao saber que sofria de um
câncer gástrico. Alguns livros de Horacio Quiroga são considerados obras
fundamentais do conto latino-americano, com destaque para: “Contos de Amor, de
Loucura e de Morte” (1917), “Contos da Selva” (1918), “Os Desterrados” (1926),
e “Mais Além” (1935), última obra do autor.
1 — Crê em um mestre — Poe, Maupassant, Kipling, Tchekhov — como em Deus mesmo.
2 — Crê que tua arte é um cume inacessível, não sonhes dominá-la. Quando puderes fazê-lo, conseguirás sem ao menos perceber.
3 — Resiste o quando puderes à imitação, mas imite se a demanda for demasiado forte. Mais que nenhuma outra coisa, o desenvolvimento da personalidade requer muita paciência.
4 — Tem fé cega não em tua capacidade para o triunfo, mas no ardor com que o desejas. Ama tua arte como à tua namorada, de todo o coração.
5 — Não comeces a escrever sem saber desde a primeira palavra aonde queres chegar. Em um conto bem-feito, as três primeiras linhas têm quase a mesma importância das três últimas.
6 — Se quiseres expressar com exatidão esta circunstância: ‘Desde o rio soprava o vento frio’, não há na língua humana mais palavras que as apontadas para expressá-la. Uma vez dono de tuas palavras, não te preocupes em observar se apresentam consonância ou dissonância entre si.
7 — Não adjetives sem necessidade. Inúteis serão quantos apêndices coloridos aderires a um substantivo débil. Se encontrares o perfeito, somente ele terá uma cor incomparável. Mas é preciso encontrá-lo.
8 — Toma teus personagens pela mão e leva-os firmemente até o fim, sem ver nada além do caminho que traçastes para eles. Não te distraias vendo o que a eles não importa ver. Não abuses do leitor. Um conto é um romance do qual se retirou as aparas. Tenha isso como uma verdade absoluta, ainda que não o seja.
9 — Não escrevas sob o império da emoção. Deixe-a morrer e evoque-a em seguida. Se fores então capaz de revivê-la tal qual a sentiu, terás alcançado na arte a metade do caminho.
10 — Não penses em teus amigos ao escrever, nem na impressão que causará tua história. Escreva como se teu relato não interessasse a mais ninguém senão ao pequeno mundo de teus personagens, dos quais poderias ter sido um. Não há outro modo de dar vida ao conto.
Decálogo do Perfeito Contista, de Horacio Quiroga publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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