domingo, 1 de dezembro de 2019

O Irlandês do filme de Scorsese apoiou Joe Biden para o senado em 1972

O Irlandês do filme de Scorsese apoiou Joe Biden para o senado em 1972

O
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, do Partido Republicano, parece
considerar Joseph Robinette Biden Jr. — Joe Biden —, do Partido Democrata, como
seu adversário mais forte para a disputa eleitoral de 2020. Por isso, estava
decidido a manchar sua imagem, sugerindo uma investigação sobre as atividades
de um filho, Hunter Biden, como conselheiro numa empresa de gás da Ucrânia. O
vice-presidente de Barack Obama, entre 2009-2017, teria pressionado para que um
procurador ucraniano fosse demitido porque estava investigando o empreendimento
do Leste Europeu.

Mesmo
sabendo que “Hunter nunca foi alvo do inquérito, e as apurações se concentravam
no período anterior à sua chegada à companhia” (trecho de reportagem da
Reuters), Trump ligou para o presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, e
solicitou uma investigação sobre os Biden, notadamente Joe. Em troca, o governo
dos Estados Unidos liberaria 400 milhões de dólares — mais de 1 bilhão de reais
— “em ajuda militar para” o governo ucraniano.

O
embaixador dos Estados Unidos para a União Europeia, Gordon Sondland — amigo e
um dos financiadores políticos do líder republicano —, confirmou que recebeu
“ordens expressas” de Trump para pressionar o governante da Ucrânia. Outras
testemunhas, como Laura Cooper, confirmam a pressão do presidente. Frise-se que
o republicano contesta a “trama”.

Trump
pode sofrer impeachment por causa da conexão Estados Unidos-Ucrânia. Pesquisa
da Reuters e do Instituto Ipsos registram que 46% dos americanos admitem o
impedimento e 41% são contrários. O entorno de Trump — com seu advogado
pessoal, Rudolph Giuliani, na linha de frente — lembra, e não vagamente, a
turma do presidente Richard Nixon. Este, para não sofrer impeachment,
renunciou, em 1974, depois de uma série de reportagens dos jornais americanos,
como o “Washington Post” de Bob Woodward e Carl Bernstein.

Mas,
afinal, Joe Biden é um político limpo — ao menos na medida do possível da
realpolitik? Talvez sim. Talvez mais ou menos?

O
assassino da Máfia

O
filme “O Irlandês”, de Martin Scorsese, com os atores Robert De Niro, Al Pacino
e Joe Pesci, está em cartaz Neflix. (Frise-se que O Irlandês era fã do filme
“Sindicato de Ladrões” — do diretor Elia Kazan, com o ator Marlon Brando.)

“O
Irlandês”, apontado como obra-prima pelos principais críticos de cinema do
Brasil, como Inácio Araújo, da “Folha de S. Paulo”, relata a história de Frank
Sheeran, o Irlandês que, sob o comando de Russell “Russ” Bufalino, se tornou um
assassino da Máfia. O livro “O Irlandês — Os Crimes de Frank Sheeran a Serviço
da Máfia” (Seoman, 310 páginas, tradução de Drago) resulta de um amplo
depoimento do matador colhido por Charles Brandt, um ex-promotor e advogado
americano. Brandt intervém, escreve textos curtos e esclarece pontos do
depoimento.

O
pesquisador Arthur Sloane é autor de uma biografia reputada de Jimmy Hoffa
(James Riddle Hoffa), o presidente do Sindicato dos Caminhoneiros — a
Fraternidade Internacional dos Caminhoneiros —, mas não conseguiu apresentar
uma explicação convincente para o desaparecimento do líder sindical.

Em
2004, depois de ouvir longamente Frank Sheeran, o pesquisador Brandt conseguiu
finalmente explicar quem matou Hoffa e por quê (tanto que seu livro é elogiado
por Arthur Sloane, professor categorizado. “Você solucionou o mistério de
Hoffa”, disse a Brandt).

O
Sindicato dos Caminhoneiros tinha um fundo de 1 bilhão de dólares, que, a
partir da gestão de Frank Fitzsimmons, passou praticamente a ser administrado
pela Máfia. Hoffa, apesar de ligado à Máfia (que aplicava, por exemplo, em
construção de imóveis), que o protegia, mantinha o controle do fundo com mão de
ferro.

Ao
sair da prisão, Hoffa alardeou que seria candidato a presidente do sindicato e
ameaçou que poderia denunciar malfeitos de Fitzsimmons — o Fitz —, o que
fatalmente atingiria a Máfia. Então, o chefão Russell Bufalino (conhecido como
Russ e McGee), nascido na Sicília, advertiu-o de que não deveria ser candidato.
Hoffa resistiu e, por isso, Rosario Bufalino (seu nome italiano) mandou O
Irlandês alertá-lo.

O
Irlandês era amigo de Hoffa. Os dois se adoravam. Frank Sheeran havia sido
beneficiado pelo sindicato na gestão de Hoffa, mas não na de Fitzsimmons.
Entretanto, pressionado por Russ Bufalino, seu chefe e mentor, o pistoleiro
alertou o sindicalista do perigo de contrariar a Máfia.

Mesmo
sob pressão da Máfia, Hoffa resistia e era o favorito na disputa pela
presidência do sindicato. Mas Russ Bufalino entrou em campo e mandou O Irlandês
matá-lo. A rigor, Frank Sheeran não queria aceitar a incumbência, mas nada
disse. Porque sabia que, se não aceitasse a ordem do mafioso-chefe, também
seria empacotado junto com Hoffa.

Por
isso, no fim de julho de 1975, O Irlandês atraiu Hoffa para uma casa e, lá, o
matou. O sindicalista era astuto e desconfiado, mas Frank Sheeran era um de
seus melhores amigos e protetores. Pode-se dizer que era capanga tanto de Russ
Bufalino quanto de Hoffa. Mas o mafioso era mais poderoso e o pistoleiro teve
se alinhar com ele — traindo o amigo. Depois de ter cometido o crime, passou a
beber de maneira descontrolada.

“Hoffa
desapareceu” — os jornais anunciaram. Em seguida ao assassinato, o corpo foi cremado
a mando de Russ Bufalino. De fato, nada sobrou do sindicalista. Mas o FBI,
baseado em outros crimes, levou tanto o mafioso quanto O Irlandês para a
cadeia. Tudo indica que alguém deu com a língua nos dentes.

Conexões
perigosas

Frank
Sheeran, bancado por Russ Bufalino e Hoffa, também se tornou sindicalista. Ele
dirigia uma unidade do Sindicato dos Caminhoneiros (chegou a dirigir
caminhões). Em 1972, haveria eleições para o Senado dos Estados Unidos. O
senador Caleb Boggs, republicano, quis falar aos trabalhadores sob o comando de
O Irlandês.

Como
considerava Caleb Boggs “antissindicalista”, O Irlandês não permitiu que
falasse aos sindicalizados que atuavam no Local 326. A comissão executiva
aprovou, porém, que o jovem Joe Biden falasse aos caminhoneiros.

O
Irlandês disse ao democrata Joe Biden: “É claro. Venha”. Os caminhoneiros
apoiavam o presidente Richard Nixon. Hoffa, para sair da cadeia mais cedo,
chegou a subornar seu procurador-geral, John Mitchell.

“Joe
Biden era apenas um rapazola, comparado a Caleb Boggs. Ele veio e fez seu
discurso — e revelou-se um excelente orador. Ele fez um discurso realmente
muito bom a favor do sindicalismo para os nossos companheiros”, relata O
Irlandês. “Ele disse que as suas portas estariam sempre abertas para os
Caminhoneiros.”

Pois
o assassino profissional passou a apoiar Joe Biden para o Senado — deixando de
lado o republicano Caleb Boggs (desde o governo de John Kennedy, sobretudo por
causa de Bob Kennedy, a Máfia, que havia apoiado o democrata para presidente,
mudara de lado, passando a bancar os republicanos, sobretudo Richard Nixon).

“Eu
disse a ele [um advogado que apoiava Caleb Boggs] que já estava ao lado de
Biden”, sublinha O Irlandês. Joe Biden foi eleito senador, pelo Estado de
Delaware, aos 30 anos de idade.

O Irlandês

Caleb
Boggs e Joe Biden se desentenderam durante a campanha. O primeiro dizia que Joe
Biden havia distorcido “os números relativos aos eleitores registrados que
votariam nele”. O Irlandês permitiu a impressão de jornais, mas vetou a
circulação, por intermédio de piquetes bem orquestrados. Ele não queria que os
jornais circulassem com encartes pró-Caleb Boggs e contra Joe Biden.

Terminada
a eleição, um dia depois, os jornais voltaram às bancas. “Dizem que esta foi a
manobra que elegeu o senador Joe Biden. Especialmente os republicanos dizem que
se aqueles encartes editados pelos partidários de Boggs tivessem sido
distribuídos com os jornais, isso teria causado muitos danos à imagem de Joe
Biden. Se os anúncios tivessem circulado, tal como quase o fizeram, naquela
última semana da eleição, não teria havido tempo para que Biden reparasse os
danos à sua imagem”, conta Frank Sheeran.

“Não
tenho como saber se Joe Biden algum dia soube que aquele piquete fora
organizado propositalmente em seu benefício. Se ele soube, jamais me disse uma
só palavra a respeito”, afirma o homem da Máfia.

“O
que eu sei é que, ao tornar-se um senador dos Estados Unidos, o sujeito soube
manter-se fiel à palavra empenhada aos nossos companheiros. Se você precisasse
que ele lhe estendesse a mão, ele o ouviria”, afirma o mafioso Frank Sheeran, O
Irlandês.

O Irlandês do filme de Scorsese apoiou Joe Biden para o senado em 1972 publicado primeiro em https://www.revistabula.com



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