A Revista Bula realizou uma enquete entre os meses de setembro e novembro de 2019, com o objetivo de descobrir quais são, segundo os leitores, os melhores livros de contos de autores brasileiros publicados na última década. Um excerto da pesquisa, reunindo os dez melhores romances, já foi publicado anteriormente na Revista Bula. Dois autores: Sérgio Rodrigues e Miguel Sanches Neto, aparecem em ambos os levantamentos. A consulta foi feita a assinantes da newsletter — via formulário de pesquisa — que poderiam indicar entre 1 e 5 livros de autores diferentes e publicados a partir do dia 1º de janeiro de 2010. Mil cento e setenta e seis participantes, de 26 Estados e do Distrito Federal, responderam à enquete. Nos casos de autores que tiveram mais de um livro citado, foi considerado apenas aquele que obteve o maior número de indicações na pesquisa. O critério de desempate, quando necessário, foi a nota atribuída aos títulos na rede social de leitura Skoob. Os livros foram divididos em quatro categorias, de acordo com o número de indicações: +70, +50, +40 e +30. As sinopses são adaptadas das utilizadas pelas editoras.
Os dez livros mais votados na pesquisa são de autores das regiões Sudeste e Sul. Rio de Janeiro, com quatro, e Rio Grande do Sul, com três, foram os estados com o maior número de escritores mencionados. Entre os autores cujas obras foram selecionadas, o mais jovem é Tobias Carvalho, que nasceu em 1995, e o mais velho é Dalton Trevisan, nascido em 1925.
Livros que obtiveram mais de 70 indicações
Nas nove narrativas reunidas em “Anjo Noturno”, Sérgio Sant’Anna explora, entre contos, memórias e novelas; temas díspares e entrelaçados, como morte e vida, infância e velhice, paixão carnal e amor fraternal. O conto “Talk show” narra a participação de um escritor em um programa de auditório, numa sucessão de situações embaraçosas que se desenrolam tanto no palco quanto nos bastidores. Já em “Augusta”, o autor relata o encontro entre um professor universitário e uma produtora musical numa festa em Copacabana. A mesma atmosfera lasciva marca outras histórias, como “Um conto límpido e obscuro”, em que o protagonista recebe a visita inesperada de uma artista plástica com quem não tem relações amorosas há cerca de dois anos. Nesse universo de tensão, entre desejo e profunda solidão, o autor percorre suas próprias memórias e anseios.
Livros que obtiveram mais de 50 indicações
Uma das histórias mais contadas da MPB é o encontro de João Gilberto com os Novos Baianos. A chegada do mito da bossa nova ao apartamento dos hippies liderados por Moraes Moreira deu origem ao disco “Acabou Chorare” (1972). Esse encontro foi a inspiração de Sérgio Rodrigues ao lançar o livro “A Visita de João Gilberto aos Novos Baianos”. A obra, que reúne textos já publicados e inéditos, foi dividida em duas partes: Lado A e Lado B, como um LP. No Lado A ficam as narrativas mais clássicas. O Lado B é dedicado aos fragmentos experimentais que examinam com humor os cacos restantes das velhas catedrais literárias e suas vaidades autorais na era da internet. Fecha o volume a novela “Jules Rimet, meu amor”, publicada em 2014 como e-book.
Em “Sem Vista Para o Mar”, Caroline Rodrigues reúne 22 contos ficcionais. Neste livro, não existe visão dicotômica de mundo: a autora, antes, se preocupa em pincelar suas personagens com qualidades que vão além de um discurso moral, econômico ou social. Por mais que a concretude das realidades apresentadas seja parte inerente da história, não funciona como ponto de partida. Os contos são também permeados de imprevistos, encontros e desencontros. Os textos são curtos, numa prosa que não respeita pontuações e que, em dados momentos, se aproxima da poesia. Ao longo dos contos, a autora apresenta personagens que soam familiares a qualquer leitor. O livro ganhou o Prêmio Jabuti e também foi premiado pela Biblioteca Nacional, transformando Carol Rodrigues em uma das maiores revelações da literatura brasileira contemporânea.
Em “Desgracida”, Dalton Trevisan expõe mais uma vez sua linguagem mordaz e humor cáustico, ao abordar as várias facetas da condição humana. Dividido em duas partes, o livro começa por “Ministórias”, com 90 microcontos — alguns de apenas uma frase — que transmitem aflições e alegrias de homens e mulheres, com erotismo intenso e diálogos incomuns. Uma coletânea de histórias que retrata a realidade do Brasil hoje, os desastres do amor, as cenas da vida cotidiana, os infernos particulares e a guerra dos sexos. Na segunda parte, “Mal traçadas linhas”, são reproduzidos textos de antigas cartas enviadas a amigos, como Pedro Nava, Rubem Braga e Otto Lara Rezende. Estas correspondências trocadas com os célebres interlocutores revelam um pouco mais sobre as ideias de Trevisan.
Livros que obtiveram mais de 40 indicações
Vencedor do Prêmio Sesc de Literatura, “As Coisas” traz uma costura de vivências humanas sob a ótica de um jovem homossexual. O personagem constante dessas histórias trabalha, viaja, estuda, cruza ruas de metrópoles agitadas, passa horas em aplicativos de encontros sexuais. Não há maquiagens para a solidão, nem disfarce para o sexo. Ele sente, ele quer, ele ganha e perde, transformando-se de história em história e construindo um arco narrativo que alicerça todo o livro. “Acredito que andamos em uma trajetória de trazer mais representatividade para as artes, e, nesse processo, falar sobre aceitação foi importante. Mas acho também que dá para virar a página, falar sobre o que vem a partir daí, naturalizar que as relações homossexuais existem, mas estar atento às particularidades que elas trazem.”
Um turista na Espanha acaba se tornando amigo de um casal de brasileiros: a possibilidade de um triângulo amoroso se insinua o tempo inteiro, mas pode muito bem ser algo imaginário, assim como a paixão de um fazendeiro de origem holandesa por uma famosa socialite, que ele conhece através de um quadro. Nesta coletânea, proliferam-se narrativas de amores que não se concretizam, e de desejo sexual que, para além do prazer, traz angústia. Exercendo pleno domínio das formas breves, Miguel Sanches Neto constrói aqui uma série de situações verossímeis em sua sordidez de detalhes envolvendo personagens que compartilham uma profunda e desoladora solidão. O que está em jogo é o caráter ambíguo e opaco da linguagem. É através de tudo o que não se revela que as criaturas a quem o autor deu vida mostram-se tão humanas.
Cíntia Moscovich apresenta ao público um volume que reúne contos inéditos escritos ao longo de seis anos. Com originalidade, a autora aborda temas corriqueiros e inevitáveis: o ciúme do filho pela mãe, a adoção de um cachorro abandonado, um jovem casal às voltas com uma reforma na casa. Valendo-se do humor e da tragédia, Moscovich criou contos coesos e divertidos, que mais parecem uma só narrativa. “Desde o início, quis um enxugamento neste livro. Uma coisa menos causa e lógica. Uma escrita mais objetiva, essencial, sem excessos. Queria falar sobre uma classe média, daquela em que nada sobra, mas também nada falta. Ao pegar essa gente mediana, consigo representar toda a sociedade.” Segundo Fabrício Carpinejar, que assina a orelha do volume, “Esse livro é um retrato antológico de Cíntia Moscovich (…), um clássico”.
Livros que obtiveram mais de 30 indicações
Nos 13 contos do livro, deparamos com a infância e a adolescência de moradores de favelas — o prazer dos banhos de mar, das brincadeiras de rua, das paqueras e dos baseados —, moduladas pela violência e pela discriminação racial. Geovani Martins narra a vida de garotos para quem às angústias e dificuldades próprias da idade soma-se a violência de crescer no lado menos favorecido da “Cidade partida”, o Rio de Janeiro das primeiras décadas do século 21. “Tenho facilidade para me adaptar às muitas formas de falar o português brasileiro e como já morei em favelas sob comando de todas as três facções do Rio, e ainda numa dominada pela milícia, acabei tendo contato com as particularidades de cada região.”
Em seu primeiro livro, Gustavo Pacheco reúne 11 histórias inquietantes. O leitor viaja do Bornéu ao Bronx, de Moçambique a Salvador, da Alemanha à Cidade do México, de Pequim a Buenos Aires. Nestas geografias cruzam-se as histórias de Dohong, que ficou doente depois de a mãe morrer de desgosto; do escravo Zakaly, que se deslumbra com o que lhe dão de comer; de Kuek, um índio botocudo; de Julia Pastrana, a mulher mais feia do mundo; de Li Xun, funcionário público às voltas com questões teológicas; do taxidermista Thomas Manning, que não gosta de computadores; e de Moacyr, que odeia Isaías e conversa com Deus. Num estilo eclético, o autor cria um retrato da humanidade. O livro foi o vencedor do Prêmio Clarice Lispector, promovido pela Fundação Biblioteca Nacional.
Em “Amora”, a autora pretende mostrar que o encontro consigo mesmo, sobretudo quando ocorre fora dos padrões, pode trazer desafios ou tornar impossível seguir sem transformação. É necessário avançar, explorar o desconhecido, desestabilizar as estruturas para chegar, enfim, ao sossego de quem vive com honestidade. Os contos de “Amora” não versam apenas sobre relações homossexuais entre mulheres. Também estão presentes na obra o maravilhamento, o estupor e o medo das descobertas. Natalia Borges Polesso estreou na literatura com “Recortes para Álbum de Fotografia sem Gente”, livro que ganhou o Prêmio Açorianos. Com “Amora”, Natalia venceu o Prêmio Jabuti. Em 2017, foi escolhida pelo Hay Festival da Colômbia como um dos 39 escritores com menos de 40 anos mais promissores da América Latina.
Os 10 melhores livros de contos brasileiros da década publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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