De
repente, como num passe de mágica, aquele seu amigo de anos repagina
completamente o perfil na rede social. Com fotos artísticas e legendas
motivacionais, surpreendentemente orienta pessoas e age como guru. Sim, aquele
mesmo que fracassou na maioria das coisas que já tentou, mas que, após um
insight, fez um curso de finais de semana, ganhou um “certificado
internacional” e agora está transformando vidas. Ele agora é coach.
As
conversas são inconfundíveis: impactar e transformar vidas, construir sonhos,
remodelar o mindset e afastar as crenças limitantes. Não há uma alma sequer que
já não tenha visto ou ouvido falar nos processos e ferramentas utilizados por
esses novéis profissionais que visam à reprogramação mental para uma vida
extraordinária. O objetivo, na maioria das vezes, é o tão almejado lifestyle
dos milionários, apresentado em reuniões que mais parecem cultos de seitas, com
abuso de frases tão impactantes quanto vazias, mas que conseguem atrair cada
vez mais adeptos.
De
fato, há uma grande sedução no oferecimento genérico de uma vida melhor e mais
saudável. O brasileiro médio enfrenta diariamente problemas que afetam não
apenas sua situação financeira, mas, sobretudo, sua saúde mental.
Aproveitando-se do considerável público-alvo, charlatões usurpam funções que
caberiam a outros profissionais, e, apoiados pela vulnerabilidade evidente, acabam
abusando da boa-fé alheia. Cobrando altos preços e apresentando soluções rasas
e inócuas, muitas vezes tendem a piorar ainda mais a situação do indivíduo.
Obviamente,
não se pode generalizar. O coaching, em verdade, nada mais é do que um
desdobramento da psicologia. Surgiu da necessidade de se compatibilizar o
sucesso profissional com o controle emocional. Em sua vertente moderna, é
profissão não regulamentada, que visa incentivar pessoas a terem uma vida com
mais sentido. O problema surge quando invade áreas delicadas — como a psicologia
clínica, por exemplo. Aí, em vez de serem encaminhadas a profissionais
capacitados, pessoas com traumas graves são levadas a crer que podem superá-los
por meio de parcas sessões com cânticos alegres, cirandas, automotivação e
frases de impacto.
Novas
áreas de atuação surgem o tempo todo, e precisam ser entendidas pelo mercado.
Mas, a despeito de uma minoria séria, há um nicho que não para de se alastrar:
o famoso “coach de tudo”, o leitor de autoajuda que, não conseguindo resolver
seus próprios problemas, se acha sábio o suficiente para solucionar os
problemas dos outros. Isso sem falar nos que se proclamam “quânticos”,
apropriando-se de conceitos de física aplicáveis exclusivamente ao ambiente
subatômico, com noções de energia, vibração e atração ao arrepio dos
ensinamentos de Max Planck e Albert Einstein. Incompreensivelmente, eles são
muitos.
Espelhar-se
em alguém que chegou ao sucesso prático e sabe mostrar os caminhos mais
eficazes para atingi-lo é compreensível e positivo. O que é difícil de entender
é alguém apostar todas as fichas em espertalhões que, sem ser referência em
nenhuma área profissional, pagam por um diploma, papagaiam termos em inglês em
suas “pregações” e se acham capazes de influenciar vidas para melhor. Todos os
dias, um coach e um desatento vulnerável saem de casa e, caso se encontrem, sai
negócio. De maneira alguma seja o segundo personagem. Os prejuízos são, por
vezes, irreversíveis.
Coach: aquele que fracassou em quase tudo, mas tem sempre uma solução para a vida dos outros publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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