quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Joaquin Phoenix é o pior Coringa da história do cinema

Joaquin Phoenix é o pior Coringa da história do cinema

 “Coringa” é o
pior tipo de filme. Suas evidentes qualidades escondem um defeito fatal.
“Coringa”, dirigido por Todd Phillips, é tecnicamente bem feito, parece profundo
e complexo, massageia o ego de quem assiste, fazendo-o se sentir inteligente e
sofisticado. Aconteceu o mesmo fenômeno em filmes recentes como “Prometheus”,
“Interestelar” e “Blade Runner 2049”. Em todos esses casos, a cosmética apurada
e o palavrório pretensamente intelectualizado escamoteiam o fato de que traem
os conceitos básicos da história que pretendem contar. 

O fato é que o que deveria ser o filme solo do Coringa
não tem um Coringa para chamar de seu. Mesmo levando-se em conta que há dezenas
ou mesmo centenas de versões do Coringa em filmes, desenhos animados,
quadrinhos, videogames e outras mídias. A maioria das versões, mesmo as mais
inusitadas, costumam seguir linhas mestras que tornam o personagem
reconhecível. Só para ficar no cinema, o Coringa bufo de Cesar Romero era o
Coringa que a psicodelia da era hippie pedia. Jack Nicholson pintado de branco
interpretou Jack Nicholson pintado de branco e ainda assim fez um Coringa
funcional. O Coringa cerebral de Heath Ledger era um anjo exterminador. Mesmo o
Coringa cafetão bisonhamente interpretado por Jared Leto dialoga com a cultura
jovem contemporânea. O que certamente não acontece com o Coringa de Joaquin
Phoenix, que é anacrônico e inverossímil, apesar de se vender como realista.
Esse Coringa só tem o nome de Coringa e mais nada.

A
obra funciona esteticamente emulando a cinematografia da Nova Hollywood das
décadas de 1970 e 1980, misturando elementos de filmes como “Taxi Driver” e “O
Rei da Comédia”, mas o protagonista não combina conceitualmente com o
personagem clássico que quer evocar. O Coringa não é apenas um maluco
descontrolado, é um gênio estrategista desprovido de empatia, que mata para se
divertir e irritar o Batman. Todas as versões anteriores foram assim. O Coringa
é perigoso não porque é um louco clínico, mas porque é um agente do caos. Sua
risada é irônica, sarcástica, debochada. Ele ri porque não se importa, ele ri
da humanidade, o riso é seu estado natural. Ele ri porque Batman não ri.

No
Coringa de Joaquin Phoenix o riso é o sintoma de uma doença neurológica. Ele ri
quando está nervoso, irritado, fragilizado, acossado ou triste. Não deixa de
ser original. Tal abordagem poderia ser interessante, até se assemelha ao
conceito usado no Coringa de Jack Nicholson, que teve os músculos do rosto
congelados em um sorriso permanente devido a um acidente com produtos químicos.
Ri por fora e chora por dentro. Mas Jack Nicholson usa essa noção para tornar
seu Coringa inconstante e imprevisível. Pode fazer qualquer coisa, inclusive
matar do nada seu “braço direito”. Com Joaquin Phoenix o objetivo é causar pena
e tirar-lhe a culpa por seus atos bárbaros. Neste filme, o culpado é sempre a
vítima. Não importa quem o Coringa violente ou mate, ele é sempre o inocente primordial
que ganhou o direito de violentar a matar apenas por ter sido vitimado
primeiro. O Coringa de Joaquin Phoenix é, acima de tudo, um torturado, um
animal acuado que reage violentamente, sem controle de suas ações. Ou está
sofrendo ou está em êxtase inconsciente e dançarino, como um urso de circo.
Mesmo sua aclamação final não acontece em função do sucesso de seus planos, mas
por mero acaso. Esse Coringa é um Beato Salú (o clássico personagem de “Roque Santeiro”)
de cabelos verdes.

A
tão elogiada atuação de Joaquin Phoenix não me convenceu. Achei histriônica e
pouco sutil. Seus movimentos me pareceram autoconscientes e ensaiados, diferentemente
dos maneirismos de Ledger, que pareciam fluir naturalmente por mais bizarros
que fossem. O Coringa de Ledger se recusava a aceitar que é louco. O Coringa de
Joaquin Phoenix anda com um cartãozinho avisando que sofre de transtornos
neurológicos, pedindo desculpas antecipadamente. É fácil ser acusado de
insensibilidade quando se apresenta esses argumentos, mas é preciso se lembrar
de que não estamos falando dos perturbados mentais que conhecemos em nossas
vidas cotidianas, pessoas que devem ser tratadas e receber apoio social, e sim
do Coringa, um monstro genocida, capaz de arrancar a pele do próprio rosto,
matar um adolescente com um pé de cabra e envenenar a água de toda uma cidade.
O primeiro sentimento diante de uma criatura tão vil não pode ser a piedade,
não pode ser dizer “eu te entendo”.

Nada
disso é culpa de Joaquin Phoenix. Ele é um dos melhores atores de sua geração
e, obviamente, atuou bem se pensarmos que realizou o que estava no roteiro. Mas
uma análise sem deslumbramentos revela que interpretou um deficiente mental
genérico, uma versão “cinema de arte” do Tonho da Lua. Na verdade, seu Coringa não
é muito diferente do esquisitão que encarnou no filme “O Mestre”, inclusive no
olhar, postura e físico esquálido. Com a diferença de que em “O Mestre” o
personagem fazia sentido.

Afinal,
sejamos honestos, alguém acredita que esse fracote alucinado e descuidado, que não
conseguiu seguir de forma competente nem mesmo uma vizinha, é capaz de dar
algum trabalho ao Batman? Alguém percebeu inteligência ou habilidades inatas no
comediante falido Arthur Fleck, o homem que se tornaria Coringa, o mais temido criminoso
de Gotham City? Eu não vi nada. Nem o entrevistador interpretado por Robert De Niro,
que mesmo depois do Coringa confessar ao vivo ser um assassino serial continuou
tirando sarro da cara dele. Esse Coringa não impõe respeito. Falta carisma,
postura e senso de perigo, sobra fragilidade e autopiedade. Tire a arma das
mãos dele. Alguém continua com medo? Qualquer peteleco derruba o homem, como
ficou provado várias vezes ao longo do filme. É justo lembrar que “A Piada
Mortal”, quadrinho clássico escrito por Alan Moore, uma das inspirações para o
filme, tinha o mesmo problema.


para levar em consideração um Coringa que não provoca medo? Até o Coringa
cafetão de Jared Leto é mais competente neste quesito. Pelo menos não inspirava
pena. O Coringa de Leto é sarado, possui um carrão, uma coleção de facas e uma
linda namorada maluquete. O Coringa de Joaquin Phoenix fala sem convicção mesmo
em seu momento de apoteose e borra a maquiagem com lágrimas. Maquiagem, esse é
um ponto importante. A fraca opção de maquiagem usada em Joaquin Phoenix
prejudicou muito o resultado final. Lembra demasiadamente o palhaço clássico.
Coringa poderia animar festas infantis pintado daquele jeito. Pinguim, Charada
e Mulher Gato ririam de sua cara, caso o encontrassem na sede do sindicato dos
criminosos de Gotham City. Provavelmente esse Coringa ficaria chorando em
posição fetal ao invés de reagir, uma vez que ele só ataca pessoas doentes,
idosas ou na traição. Não teria coragem para confrontar fisicamente criminosos
experientes.

Falando
nisso, detalhe importante: o Coringa de Joaquin Phoenix não é o palhaço do crime
amoral que um dia conhecemos, mas um “bandido social”, feito sob medida para
agradar estudantes do segundo período de Sociologia da universidade de Gotham
City. Não é por acaso que máscaras de palhaço substituem as máscaras dos
“anonymous” que ocuparam Wall Street. O patriarca Thomas Wayne,
tradicionalmente reconhecido como um homem honrado, foi transformado em um
cover de Donald Trump, conforme o “mister president” é visto pelos eleitores
democratas. Thomas Wayne será candidato a prefeito. Thomas Wayne promete limpar
a cidade. Limpar de quem? Thomas Wayne despreza os pobres. Thomas Wayne não tem
responsabilidade social. Thomas Wayne é um moralista hipócrita. Thomas Wayne é
virulento e violento. Thomas Wayne agride doentes mentais em banheiros. Por
tudo isso, Thomas Wayne merece morrer quando a revolução explode. Ele e sua
família tradicional. Martha Wayne, mulher bela, recatada e do lar, sequer tem
direito a fala. Só leva bala. Não de um assaltante, mas de um revolucionário
cheio de boas intenções. Atira na família Wayne falando: “Thomas Wayne, tome o
que você merece”. Merece porque é rico. Cair sagrando na sarjeta é o fim do
sonho eleitoral do “canalha” Wayne. E o expectador satisfeito consigo mesmo,
embriagado de excitação revolucionária limpinha, balança a cabeça em
concordância. Pensa: deviam ter feito o mesmo com Trump, antes dele ser eleito
presidente. Muito democrático, muito democrático. Ódio do bem é sempre
perdoável. O diretor Todd Phillips deve ter feito as contas direitinho. Sabe
que o engajamento político de seu filme pode lhe render alguns prêmios Oscar na
atual atmosfera anti-Trump de Hollywood.

Nada
pior do que estragar uma piada. Circulava uma anedota que dizia que Bruce Wayne
é basicamente um capitalista reacionário que não satisfeito em explorar o
trabalho da classe operária de Gotham City durante o dia, se fantasia de
morcego para espancar pobres e desempregados durante a noite. Era uma piada. O
filme de Todd Phillips transformou essa brincadeira sarcástica em cânone.
Afinal, o filho do assassinado Thomas “Trump” Wayne só pode se transformar em
um vigilante defensor da tradição, família e propriedade. Tal pai, tal filho.

Nestes
tempos estranhos onde a Malévola foi “compreendida” e muita gente acha que
Thanos tem razão, parece natural que o Coringa se torne herói. O horror! O
horror!

Como
consolo resta a teoria de que esse Coringa não seria o Coringa em si, o
criminoso que enfrentaria Batman no futuro, mas o inspirador de um movimento
social. Outras pessoas assumiriam sua identidade ao longo dos anos. Pode até ser,
considerando que o filme se passa na década de 1980 e a diferença de idade
entre Bruce Wayne e Arthur Fleck. Menos mal. Ou nem tanto, uma vez que o
verdadeiro Palhaço do Crime seria apenas o cover de uma figura patética do
passado.

Outra
teoria, alicerçada nas cenas finais do filme, defende que tudo não passou de um
delírio vivido por um interno do asilo Arkham. Loucura pouca é bobagem.

Em
todo caso, como diria o Capitão Nascimento, se você gostou do filme lacrador do
“Coringa”, você é um fanfarrão. Não merece usar sua camiseta preta do Batman. Coringa,
messias do proletariado… me poupem… é você que financia essa merda. Tira
sua camiseta preta do Batman! Aqui é Caveira! Aliás, aqui é Morcego!

Joaquin Phoenix é o pior Coringa da história do cinema publicado primeiro em https://www.revistabula.com



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