Se alguém me pedisse para definir Susan Sontag numa
frase, eu diria: “A intelectual que queria ser tudo”. Trata-se de uma mulher
plural: crítica literária, ensaísta de primeira linha e, sim, prosadora (aquém
da ensaísta, é certo, mas integrante de um ilustríssimo segundo time, assim
como Edmund Wilson, que, como prosador, é membro de um honroso terceiro time).
Escreveu muito bem sobre vários temas — como fotografia e cinema — e
escritores, como Machado de Assis e Elias Canetti. Era crítica severa do uso de
doenças como metáfora, tipo “fulano é o câncer da humanidade” (rezo pela mesma
cartilha e jamais chamo alguém de “lixo”, por exemplo). Pode-se dizer, sem
receio de errar, que será considerada, com o tempo, uma pensadora da cultura,
tal a qualidade e vigor de suas ideias e interpretações. Susan Sontag não deixa
seus leitores indiferentes — os pró, os contra e os colunas do meio.
Uma mulher múltipla é difícil de apreender e,
portanto, de explicar. Depois de biografar Clarice Lispector, a grande
ucraniana-brasileira, o americano Benjamin Moser voltou-se para a vida — ou
vidas — de Susan Sontag. O resultado está chegando às livrarias: “Sontag — Vida
e Obra” (Companhia das Letras, 704 páginas, tradução de José Geraldo Couto).
A Editora Companhia das Letras assegura, na nota
disposta nos sites das livrarias, que o livro de Benjamin Moser se trata do
“retrato definitivo de Susan Sontag”. Claro, é publicidade. Porque, no campo
intelectual, não se pode falar em “biografias definitivas”. A obra (e a vida)
da multi-crítica americana continuará a ser examinada e novos pontos serão
descobertos, discutidos e apontados. Portanto, adiante, o leitor terá outras
biografias em mãos — até mais detalhadas do que a atual. Mas, de fato, o jovem
americano é um pesquisador criterioso — um verdadeiro detetive intelectual. Ele
torna suas personagens “maiores” — gigantes —, não por criar mitos, e sim por
mostrá-las na sua integralidade, com o apontamento de virtudes e defeitos, sem
aumentá-los nem reduzi-los. Um ser humano, intelectual ou não, se torna mais
rico quando é mostrado de maneira ampla, sobretudo com as contradições
ressaltadas com precisão. Sugerir que uma intelectual é insegura não equivale a
sustentar que suas ideias eram frágeis.
O informe integral da Cia das Letras: “O retrato definitivo de Susan Sontag, uma das intelectuais mais importantes do século 20: sua escrita e seu pensamento radical, seu ativismo público e sua vida privada pouco conhecida. Susan Sontag é uma escritora que representa como ninguém o século 20 americano. Envolta em mitos e incompreendida, louvada e detestada, ela foi uma menina dos subúrbios que se tornou símbolo do cosmopolitismo. Sontag deixou um legado intelectual que abrange uma imensidade de temas, como arte e política, feminismo e homossexualidade, medicina e drogas, radicalismos e fascismo, e que é uma chave indispensável para entender a cultura da modernidade”.
“Nesta biografia, Benjamin Moser (autor de ‘Clarice,
Uma Biografia’) conta essas histórias e examina o trabalho sobre o qual a
reputação de Sontag se construiu. Ele explora a angústia e as inseguranças por
trás da formidável persona pública e mostra suas tentativas de responder às
crueldades e aos absurdos de um país que tomava um rumo equivocado, com a convicção
de que a fidelidade à alta cultura era um ativismo em si. Com centenas de
entrevistas e quase cem imagens, este é o primeiro livro que tem como fontes os
arquivos privados da escritora e várias pessoas que por muito tempo não se
manifestaram sobre Sontag.”
A biografia chega bem comentada. Rebecca Solnit: “O
feito de Benjamin Moser é de tirar o fôlego”. Chris Kraus: “Nesta biografia
brilhante e há muito aguardada, Benjamin Moser nos mostra como ler Sontag […] e
revela a extensão e os limites do seu gênio”. Stephen Fry: “A biografia
monumental de Benjamin Moser revela a história supreendentemente dócil,
insegura, simples e a dedicação intelectual de uma das figuras literárias mais
notáveis que surgiram no século 20 americano”.
Livro, pois, a figurar na lista de leitura de todos
que se interessam por cultura. Imperdível, ao menos para mim, que às vezes
admiro e às vezes não admiro Susan Sontag. Mas respeito suas ideias, sempre.
Porque, tal como em Hannah Arendt, há uma inteligência privilegiada no que expõe
e disseca. Há uma firme e prazerosa paixão pelo saber. Ela era realmente “a
mulher que queria ser tudo”. E, de fato, era.
Susan Sontag: a mulher que queria ser tudo publicado primeiro em https://www.revistabula.com
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