sábado, 2 de novembro de 2019

Como Zack Snyder destruiu Watchmen

Como Zack Snyder destruiu Watchmen

Até o fim desse
texto, o segundo que escrevo sobre “Watchmen”, vou provar que Zack Snyder é uma
besta. Não saia daí.

Toda época inventa
o seu apocalipse. Atualmente nós nos angustiamos com ondas gigantescas invadindo
cidades por conta do aquecimento global. Nos anos 1980, o fim do mundo era
nuclear e parecia estar a poucos minutos de acontecer. É por isso que os
relógios dominam a novela gráfica “Watchmen”. É um relógio esquecido na câmara
de testes de campo intrínseco que faz o físico Jonathan Osterman voltar até lá e
ser desintegrado para renascer como Doutor Manhattan.

A obra de Alan
Moore e Dave Gibbons também faz referência ao “Relógio do Juízo Final”, criado
pelos cientistas nucleares de Chicago em 1947 e que marca, simbolicamente, os
minutos que faltam para o apocalipse. Em 1986, ano em que o quadrinho foi
lançado, ele marcava 23h57 devido aos discursos belicosos do presidente americano
Ronald Reagan e ao avanço dos soviéticos sobre o Afeganistão.

A destruição do
mundo por bombas nucleares está presente em toda a cultura pop dos anos 80:
“Mad Max 2” (1981), “O Dia Seguinte” (1983), “A Hora da Zona Morta” (1983), “O Exterminador
do Futuro” (1984) e “Akira” (1988), para citar apenas alguns.

“Watchmen” faz
parte do mesmo zeitgeist e reflete esse stress. No quadrinho, a existência de
super-heróis não afeta o desejo autodestrutivo da raça humana e é isso o que
motiva Ozymandias a assassinar milhões para salvar bilhões. É uma escolha
moral, mas ele tem o direito de fazê-la? Essa é a essência da obra. Quem vigia
os vigilantes?

O plano de
Ozymandias é extremamente elaborado, envolve falsas empresas de “exploração
extradimensional” e a fabricação de uma bizarra criatura por meio de engenharia
genética. É por isso que a HQ “Contos do Cargueiro Negro” é intercalada à trama
de “Watchmen”. O roteirista do gibi de piratas é um dos colaboradores de
Ozymandias na criação da farsa. Além da aparição do monstro colossal em Nova
York, que já vai provocar a morte de milhões, o vilão quer imprimir no
inconsciente coletivo o registro de um mundo de horror lovecraftiano, única
coisa capaz de fazer a humanidade se unir, pensa ele.

Esse plano mirabolante
só faz sentido num universo povoado por super-heróis. É uma conspiração
ridícula que só tem lógica num mundo ridículo e é isso que dá sentido à sátira
trágica de Alan Moore e Dave Gibbons. Moore já explicou que seu objetivo era
fazer uma versão dramática de “Superduperman”, uma antiga HQ de Harvey Kurtzman
e Wally Wood publicada no “Mad” clássico. E é por isso que Zack Snyder é uma
besta.

Embora o filme
dele tenha seus acertos — a trilha sonora, Rorschach na prisão — a coisa toda
desaba com o final alternativo, que faz a culpa da conspiração recair sobre Doutor
Manhattan. Não faz sentido. O peladão azul é o trunfo americano na Guerra Fria.
Mesmo se desse a louca no cara, ele ainda seria um problema dos americanos e
acirraria ainda mais o conflito, em vez de acabar com ele. Além disso, pro
plano dar certo, bastaria que Adrian Veidt, o Ozymandias, levasse um lero com Doutor
Manhattan e, pronto, a história sequer existiria.

Zeca Isnáida só
entende de câmera lenta e personagens bidimensionais como o Leônidas do
insuportável “300”, um filme ruim inspirado numa HQ que também é um lixo. Melhor
nem entrar nas considerações políticas sobre esse quadrinho menor de Frank
Miller para não provocar a militância fascistoide das redes. Ah, quer saber? Foda-se.
A obra é proto-nazista com sua glorificação à morte, ao militarismo e aos
espartanos de raça pura. Pronto, falei.

Por ser a besta
que é, Zeca Isnáida também afundou a DC no cinema. Ele transformou o Superman
num alienígena sem noção capaz de destruir cidades inteiras sem se importar com
os seres humanos. Como o herói é a pedra angular da DC, o universo inteiro
ruiu.

É só por hoje.
Semana que vem tem mais.

PS: o Relógio do Juízo Final marca 23h58 desde o ano passado, mas o espírito do tempo é outro.

Como Zack Snyder destruiu Watchmen publicado primeiro em https://www.revistabula.com



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